A realidade das regiões do interior de Portugal, como o Nordeste Transmontano, evidencia de forma clara um dos maiores desafios estruturais do país e que é garantir um sistema de saúde equitativo, acessível e capaz de responder às necessidades de populações envelhecidas, geograficamente dispersas e frequentemente isoladas. A temática “A saúde no interior. Acesso, distância e desigualdade” é um debate político ou técnico mas também é um problema que afeta diretamente a qualidade de vida, a segurança e a dignidade de milhares de pessoas que vivem longe dos grandes centros urbanos. Num contexto marcado por assimetrias persistentes, reforçar os serviços de saúde em regiões menos povoadas não é apenas necessário, é urgente.
A dificuldade de acesso aos cuidados de saúde no interior manifesta-se em múltiplas dimensões. Uma das mais evidentes é a distância física aos serviços essenciais. Consultórios médicos, centros de saúde, urgências hospitalares e especialidades encontram-se, muitas vezes, a dezenas de quilómetros das aldeias e vilas, tornando cada deslocação um desafio logístico, financeiro e, em certos casos, até físico. Para as populações idosas, que constituem grande parte dos habitantes destas regiões, deslocarem-se a Bragança, Mirandela ou Vila Real para uma consulta pode significar depender de transportes públicos escassos, recorrer a familiares que vivem longe ou contratar transporte privado que, frequentemente, tem custos elevados.
Mas o problema não se limita à distância. A desigualdade territorial no acesso à saúde traduz-se também numa menor disponibilidade de profissionais. Médicos de família, enfermeiros, psicólogos e especialistas são escassos no interior, resultado de décadas de políticas centralizadoras e da preferência dos profissionais por zonas urbanas, onde encontram melhores condições de trabalho, infraestruturas mais modernas e oportunidades de carreira mais atrativas. Em muitos concelhos do interior, os utentes continuam sem médico de família, enfrentando rotatividade constante de profissionais e tempos de espera prolongados para exames ou consultas de especialidade.
Esta realidade agrava-se quando se consideram as urgências hospitalares. Embora existam hospitais distritais, estes enfrentam limitações significativas. Equipas reduzidas, equipamentos desatualizados e dificuldade em garantir especialidades essenciais como cirurgia, cardiologia ou ortopedia. Para muitos procedimentos, os utentes são encaminhados para hospitais de referência situados ainda mais longe, aumentando o tempo de espera e o desgaste das famílias. A desigualdade torna-se especialmente dramática em situações de emergência, onde a distância pode ser um fator determinante entre a vida e a morte.
Contudo, discutir as fragilidades da saúde no interior não significa ignorar os esforços já realizados. Ao longo dos últimos anos, têm surgido iniciativas louváveis, como programas de telemedicina, unidades móveis de saúde, reforço de equipas de cuidadores informais, e projetos que aproximam serviços aos utentes mais isolados. Estas soluções inovadoras têm mostrado resultados positivos, mas continuam insuficientes para compensar décadas de subfinanciamento e a contínua perda populacional. Para que estas medidas tenham verdadeiro impacto, é necessário que integrem uma estratégia coerente e articulada de coesão territorial.
Reforçar os serviços de saúde no interior implica uma visão de longo prazo que abranja diversas dimensões. Primeiro, é essencial garantir incentivos robustos para fixar profissionais nestas regiões, incluindo valorização salarial, condições de trabalho atrativas, habitação acessível e programas de carreira específicos para zonas de baixa densidade. Além disso, urge modernizar infraestruturas, equipar centros de saúde, renovar unidades hospitalares e expandir a oferta de especialidades, evitando que os utentes dependam exclusivamente de deslocações para centros urbanos.
A aposta na mobilidade em saúde é outro fator determinante. Sistemas de transporte flexíveis, adaptados e coordenados com as unidades de saúde podem reduzir significativamente barreiras de acesso. Por outro lado, promover a literacia em saúde e capacitar as comunidades para uma maior autonomia preventiva também contribui para reduzir a pressão sobre o sistema.
Por fim, a saúde no interior deve ser encarada como um direito fundamental e não como uma variável dependente de densidade populacional. O envelhecimento do interior não pode servir de justificação para a diminuição de serviços, mas sim como argumento para o seu reforço. Uma sociedade verdadeiramente coesa e justa só pode existir se cada cidadão, independentemente do local onde vive, tiver acesso a cuidados de saúde dignos, próximos e eficazes.
“A saúde no interior. Acesso, distância e desigualdade” é um apelo à ação, uma chamada de atenção para a necessidade de políticas públicas ousadas e sustentadas, e um convite à construção de um país onde viver no interior não seja sinónimo de viver com menos direitos. Reforçar os serviços de saúde nestas regiões é uma questão de justiça social e de respeito por todos aqueles que continuam a dar vida ao território.
As instituições públicas têm que criar sinergias suficientes para que aqui seja possível viver sem ter que passar a vida a mendigar. Deveres iguais implicam direitos iguais.

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