(colaborador do "Memórias...e outras coisas...")
Neste aparente resgatar de ancestrais linguajares, da contestação de alguns, “hoije dou-me na catchimónia” de recordar as velhinhas cozinhas, onde havia “scanus’e, arcas p’ró pãu’e, muz’queiras’e, môtchus’e, trupeças’e, que tamém l’oubia tchamare tripeças’e, e almárius’e”.
Esta coisa da paragoge do [e], apenas é aplicada em palavras isoladas, ou no final de orações, em palavras no masculino, no plural ou naquelas, no feminino, terminadas em consoante (por isso a Raquel era a “Raquele” e uma flor era “ua flore”). Também o era em todas as formas verbais no infinitivo, por isso, por aqui, escrever, é “screbere” e ler é “lere”. Tal como no original Latim, “scribere” ou “legere”. Fenómeno que também se manteve no Italiano, «scrivere» e «leggere». Que isto não é “ó calhas’e”…
De repente, lembrei-me que esta coisa da paragoge do [e], “ó cunsuante” das zonas, nas suas versões no plural, tanto soava a um som [ze] aspirado, como quando imitamos o som de um insecto a voar, em que «olhos» se pronunciava “olhuz’e”; ou, noutras circunstâncias, o som era mais assemelhado a [je], soando a “olhu’je”. Por aqui vou optando pela simplificada forma "olhus'e'"... Cada um que pronuncie como "quijere"... Nesta sequência, de imediato me lembrei de formas verbais compostas, ou seja, as de conjugação pronominal. Como, por exemplo, já que as velhinhas cozinhas aqui me trouxeram, em «cozemo-lo» ou «cozinhámo-lo». Formas verbais que pronunciadas eram como “cuzemu-jiu” e “cuzinhámu-jiu”. E, se no plural forem, como «comemo-los» ou «bebemo-los», semelhante fenómeno também ocorre: “cumemu-jius” ou “bubemu-jius”. Do que este “rapaze s’alembra”…
E, “pr’áqueis que dizim que falemus male ou cousa e tale”, aqui vos deixo uma visita a uma velhinha cozinha… Resgatando a tanta distinta essência de que somos feitos...
«Bô! Tcheira-m’a strugidu’e! Q’é que stá ámanhare nu pote?»
«Bá, tchega-t’ó lume e quece-te. É milhore tirá’s a casaca, num te bá caire algua falmega. Bota-le a samarra belha, q’stá í imbarrada trás da porta»
«Inda num mu dixu’e, q’é que stá ámanhare?»
«Ó mou filhu’e, que te bais a regalare, c’um guisote de repolgas’e!… Bá num ztapes u pote! Bota-le lá o tez’tu outra beze, q’inda levas ua lôz'tra, pur’i»
«Tcheira mim bem’e!»
«Tchaldra-me que bens cum larota. Trais a seitoura picada! Abre-l’aí u bueiru’e, q’iz’tu stá a ficare muntu afumadu’e. E bai-me à talha pur um tantinhu d’azeite, bê lá se num stá tralhadu co friu’e, p’ra temp’rare a seladinha, que t’amanhei uas beldruegas’e. Bai ó caçoulu das alcaparras e trai alguas si as quijeres’e.»
«U bandulhu já se me bota a runcare, só de a oubire»
«Pega nas stanazes e tchega-le um tantinhu de brasas ó pote. Tira um caz’queiru da arca, ou se quijeres, tens aí ua bôla triga, e incert-á. Q’és que te lance u caldu’e? É de cabaça, c’um tantinhu d’érbançus’e. Q’és nua malga ou num pratu fundu’e?»
«Bote cá, qualquera cousa me serbe»
«Assenta-te aí, dece a mesa du scanu’e. Que carólu'e! É de cabu a rabu’e! Ó pirongu’e, tchiz’ca-le a um tantinhu de molhu a bere se stá bô de sale. Ó lambareiru’e, era só um catchicu’e!»
«Já sabe c’mu ficu im’augado co ez’tas cousas'e!»
«D’zimbarr’á’í a grelha, que l’habemus de butare um cibu de cernelha e outru de rudiãu á’ssare. Stá a scaldar’u caldu’e? Bufa-le!»
Bom proveito! “À barriga e ó peitu’e”!
(Foto: Georges Dussaud)
Rui Rendeiro Sousa – Doutorado «em amor à terra», com mestrado «em essência», pós-graduações «em tcharro falar», e licenciatura «em genuinidade». É professor de «inusitada paixão» ao bragançano distrito, em particular, a Macedo de Cavaleiros, terra que o viu nascer e crescer.
Investigador das nossas terras, das suas história, linguística, etnografia, etnologia, genética, e de tudo mais o que houver, há mais de três décadas.
Colabora, há bastantes anos, com jornais e revistas, bem como com canais televisivos, nos quais já participou em diversos programas, sendo autor de alguns, sempre tendo como mote a região bragançana.
É autor de mais de quatro dezenas de livros sobre a história das freguesias do concelho de Macedo de Cavaleiros.
E mais “alguas cousas que num são pr’áqui tchamadas”.

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