sexta-feira, 21 de novembro de 2025

Tenho saudades do velho Rio Fervença


 O nosso rio não era só um curso de água, era tudo aquilo o que representava para mim e para tantos Bragançanos. Era nas margens do Fervença que se escrevia uma parte importante da nossa vida. O Fervença era o nosso ponto de encontro, o nosso recreio natural, o lugar onde a infância se misturava com a descoberta e onde a juventude ganhava forma entre risos, mergulhos e segredos.

Foi ali que aprendi a nadar, entre correntes suaves e pedras que pareciam conhecer todos os meus passos. No Fervença também aprendi a pescar, sentado horas a fio, com uma paciência quase inocente que só a infância e a juventude permitem. Ao redor, os amigos e as amigas completavam o cenário com conversas sem pressa, brincadeiras improvisadas, desafios que hoje parecem simples, mas que então eram aventuras grandiosas. O rio era o coração de tudo isso. Havia vida, havia frescura, havia um equilíbrio quase perfeito entre natureza e comunidade... e boas merendas.

As margens eram lameiros verdes, aconchegantes, onde estendíamos a toalha e nos deixávamos amorenar pelo sol de verão. O canto dos pássaros misturava-se com o som da água, e os peixes, abundantes, vinham mostrar-nos que aquele era um rio autêntico, saudável, repleto de movimento. É impossível não sentir nostalgia ao recordar aquela pureza, a ausência quase total de poluição, o cheiro de água limpa, a sensação de que tudo ali era genuíno.

Hoje, quando me aproximo do Fervença, encontro um cenário muito diferente. Em grande parte do ano, especialmente no verão, o rio reduz-se a um fio de água cansado, quase imóvel, marcado ainda por descargas diretas de saneamento que lhe tiram a dignidade. O cheiro já não é o de um rio vivo, mas o de um sobrevivente. Os peixes desapareceram, como se tivessem desistido. As margens já não acolhem os jovens como antes, não há lameiros onde possamos estender a toalha ou sentir a frescura da relva nos pés. Falta-lhe vida. Falta-lhe o brilho. Falta-lhe aquilo que fez dele um rio de memórias.

E, no entanto, apesar da tristeza, não perdi a esperança. Acredito verdadeiramente que um dia o Rio Fervença poderá renascer, não como um simples curso de água domesticado, mas como o rio vibrante que marcou gerações. Há potencial, há vontade de muitos e há exemplos, pelo país fora, de rios devolvidos às cidades, recuperados, revitalizados. Porque não em Bragança? Porque não o Fervença?

Sonho com o dia em que o rio volte a correr limpo, em que as crianças possam brincar nas margens sem receio, em que os peixes, escalos e bogas regressem, devolvendo movimento e equilíbrio ao ecossistema. Sonho com margens recuperadas, com espaços verdes vivos, com um rio integrado no quotidiano da cidade, como merece estar. Sonho com o murmúrio da água a acompanhar os nossos passeios, com o reencontro entre Bragança e o seu próprio rio, um reencontro tardio, mas possível.

Tenho esperança. Uma esperança teimosa, mas firme, de que o Fervença voltará a ser aquilo que um dia foi… parte de nós, parte da nossa história e parte do futuro que desejamos para a nossa terra.

HM

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