quarta-feira, 19 de novembro de 2025

Um Bragançano que fez parte da… Pontifícia Comissão Bíblica! E como me irritam as nossas escolas…

Por: Rui Rendeiro Sousa
(Colaborador do "Memórias...e outras coisas...")


 Um dia, recebi um contacto de alguém da «Escola Bíblica e Arqueológica Francesa de Jerusalém»! Para quem, eventualmente, desconheça a designação, trata-se de uma instituição de referência nos estudos arqueológicos e bíblicos. Estranho tendo achado tão ilustre contacto, mais inusitado tendo sido o facto de que o emissor tinha um nome português! 

E lá fui “cuz’care, p’ra bêre quem era ó home”. “Spritadu’e” tendo ficado porque se tratava, facto que desconhecia até então, de um dos mais reputados exegetas bíblicos e, «mais grave» do que isso, era membro da… Pontifícia Comissão Bíblica! Ou seja, era um “home” que fazia parte do círculo restrito do próprio Papa! Em estranhos tons de humildade, queria que este simples estudioso o elucidasse acerca de temas relacionados com... terras bragançanas! Tudo porque, ao que parece, havia lido uns artigos que este “rapaze” tinha escrito, tendo destacado, particularmente, umas incursões que já tinha feito aos nossos «dialectos», ao nosso Ásturo-Leonês. 

Confesso que me senti, em simultâneo, “muntu piquerrutchu’e”, mas também “tchêu de proa”. Não é todos os dias que os nossos humildes escritos despertam a atenção de tão ilustre instituição e de tão insigne figura. Seguir-se-ia uma extensa troca de e-mails, os quais iam gerando as mais variadas discussões. Nessa postura de “muntu piquerrutchu’e”, tinha um cuidado redobrado na forma como respondia, não fosse, “pur’i”, «meter a pata na poça». Naturalmente, quis saber qual o interesse por esta remota região. 

E, de facto, o mundo é mesmo muito pequeno! Conversa puxa conversa, e-mail puxa e-mail, descobri que a ilustre figura era de terras bragançanas! E, «pior» ainda, ficámos a saber que ambos éramos de Macedo! Espantados ficámos com a coincidência, tendo pensado para os meus botões: “Cum caralhitchas’e, tânhu um home mou cunterrâniu n’ua pusiçãu du catantchu’e!”… Acabei por lhe confessar, lamentando, que não o conhecia. Tendo-me respondido que era natural, porque era de uma «aldeia pequena do concelho». E qual era a aldeia? Corujas! Aldeia essa onde tenho um “intchente de cuz’telas’e”! O mundo é mesmo “piquenu’e”!

Mais tarde, sempre que vinha a Portugal, e à sua Corujas, pedia sempre para tomarmos um café, para umas conversas. Vou partilhar convosco o episódio caricato do primeiro encontro para “butare faladura”. Como deverão supor, não o conhecendo pessoalmente, fiquei a imaginar que me esperaria uma figura, tipo «Monsenhor», membro que era da Pontifícia Comissão Bíblica! Estranhamente, pediu para tomarmos o dito café numa simples pastelaria. Perguntei-lhe se não quereria um lugar mais recatado, ou mais adequado, tendo-me respondido que um qualquer lugar serviria. E pensei para os meus botões: «Isto vai ser um espanto, quando esta gente vir entrar um “home” do Vaticano!»… Pura ilusão… O que vos vou contar, de seguida, pode até parecer anedótico…

Lá me “aperaltei'e” para receber tão ilustre figura. Tendo chegado à dita pastelaria uns quinze minutos antes da hora marcada. Entretanto, entrou um senhor, olhando para todos os lados, tendo-se dirigido ao balcão, onde tomou um café. E este “rapaze” continuou a aguardar… O senhor, entretanto, saiu e, acto imediato, o telemóvel tocou. Do outro lado, era-me dito: «Já estou à sua espera na pastelaria». Tendo eu respondido: «Mas eu estou cá»… A pessoa, o «monsenhor», estava no exterior a telefonar-me… e era o mesmo que tinha estado, havia breves instantes, a tomar o dito café ao balcão! Com a figura mais humilde que possa imaginar-se! Sandálias simples, calças simples, camisa simples… O verdadeiro paradigma do «nunca julguemos um livro pela capa»! Confidenciei-lhe que esperava outra pessoa, com «trajes de monsenhor», o que “le dou a risa”…

No decorrer da conversa, confessar-me-ia que, também ligado aos temas arqueológicos e históricos, ao ler as minhas (e outras) incursões ao tema, estranhava que uma região tão rica fosse ignorada, até pelos seus. Confessar-me-ia, também, que o seu fascínio maior pelo que lia saído da minha humilde pena, se relacionava com o facto de, inúmeras vezes, escrever na «língua» na qual ele tinha começado a falar! Dizia-me que se emocionava ao ler na sua «língua de criança», a nossa “língua tcharra”. E, variadas vezes, pedia-me para que lhe falasse em “língua tcharra”! Aqui trago esta menção, especialmente dedicada “ós biz’condes e ás biz’cundessas’e” que dizem que nunca ouviram falar assim nesta região… Depois… Bem, depois este “rapaze” já leu a Bíblia “d’ua pont’á outra”. E nada como aproveitar as longas e proveitosas conversas com um dos maiores exegetas bíblicos do Antigo Testamento, o maior especialista mundial no Profeta Isaías, que era Bragançano, para dissipar algumas dúvidas…

E não é que, no decorrer das conversas, que ele, tal como eu, também era um apaixonado pela genealogia, descobrimos que partilhávamos os mesmos genes? Uma sua trisavó era minha tetravó, ou seja, a avó dele era prima da minha bisavó… Logo a ilustre figura, à qual tratava com a máxima deferência, coisa que ele não apreciava, me disse: «Afinal somos primos, por isso passamos a tratar-nos por tu!». Não imaginam o que me custou… 

Foi tanto, mas tanto, o que com ele aprendi! Aliás, o pouco que sei sobre exegese bíblica e religião a ele o devo. Ah! E porque me irritam as nossas escolas? Isso deixarei para próxima incursão, que já vai o testamento longo… “Ma num me zqueçu’e”! E porque trouxe aqui, hoje, o Frei Francolino Gonçalves, assim se chamava a insigne figura? Em primeiro lugar porque alguns dos temas que poderei aqui trazer nos próximos tempos, poderão ser controversos. Resguardo-me, assim e antecipadamente, perante os «sabetudólogos», porque a esmagadora maioria das abordagens a esses temas são o resultado da aprendizagem que obtive das discussões tidas com… um dos maiores especialistas mundiais em exegese bíblica. Por isso ele fez parte, em dois Papados consecutivos, da Pontifícia Comissão Bíblica, coisa que eu não fiz, nem os «sabetudólogos» fizeram…

Em segundo lugar porque foi ele que me chamou a atenção para o facto de, nas nossas escolas, se falar em «Paleolíticos» e demais estranhos termos, e nunca os enquadrarmos na nossa região que… também tem Paleolítico e demais estranhos termos (“e num é poucu’e”!). Por último, porque o distrito de Bragança, coisa pouca, o dirão os habituais detractores, não teve um Bragançano como «Zezinho das Concertinas», mas teve um na… Pontifícia Comissão Bíblica! Coisa de somenos importância… à qual devo muito do que por aqui vou partilhando com os meus conterrâneos… 

E aqui fica a minha singela, mas justíssima homenagem a um Homem cujas postura e suprema sabedoria tanto influenciaram este vosso humilde conterrâneo. Estejas lá onde estiveres, hás-de estar num bom lugar, de certeza, deixaste cá a tua marca e foram uns raríssimos privilégio e honra ter privado contigo. A minha eterna gratidão, que deveria ser extensível a todos os que «desperdiçam» o seu tempo com os «disparates» que por aqui vou deixando, especialmente os que carregam «sangue bragançano». Porque muito do que lêem é, também, o resultado das tantas conversas e e-mails trocados com um “home” que, nada de transcendente, fez parte da restrita Pontifícia Comissão Bíblica (o resto do imenso currículo está disponível numa qualquer pesquisa no “Guguele”…). E era Macedense e, como tal, Bragançano!!!... "Bô"?

E acho que já terão percebido por que o trouxe aqui...

(Foto: «Surripiada» aqui das «Memórias», meramente ilustrativa)


Rui Rendeiro Sousa
– Doutorado «em amor à terra», com mestrado «em essência», pós-graduações «em tcharro falar», e licenciatura «em genuinidade». É professor de «inusitada paixão» ao bragançano distrito, em particular, a Macedo de Cavaleiros, terra que o viu nascer e crescer. 
Investigador das nossas terras, das suas história, linguística, etnografia, etnologia, genética, e de tudo mais o que houver, há mais de três décadas. 
Colabora, há bastantes anos, com jornais e revistas, bem como com canais televisivos, nos quais já participou em diversos programas, sendo autor de alguns, sempre tendo como mote a região bragançana. 
É autor de mais de quatro dezenas de livros sobre a história das freguesias do concelho de Macedo de Cavaleiros. 
E mais “alguas cousas que num são pr’áqui tchamadas”.

Sem comentários:

Enviar um comentário