sexta-feira, 28 de novembro de 2025

Um estranho reino que abrangeria «Terras de Bragança»

Por: Rui Rendeiro Sousa
(Colaborador do "Memórias...e outras coisas...")


 Ao abrigo da «cartilha», todos devem ter «gramado», na disciplina de História, com a expressão «invasões bárbaras». As quais parece que de «invasões» nada tiveram, antes se tratando de acordos tácitos entre os «povos germânicos» e os Romanos, que assistiam à desintegração do seu «Império», no início do século V. E, já agora, «bárbaras», expressão que haveria de adquirir uma conotação pejorativa mas que, inicialmente, apenas servia para designar todos aqueles cujos costumes ou língua diferiam daqueles adoptados pelos Romanos. 

Para o caso em apreço, o do actual distrito de Bragança, dos «povos bárbaros» interessam apenas os Suevos e os Visigodos. Designações que deverão ser familiares à maioria. No entanto, quando nos falam sobre estes dois povos, é sempre tudo muito longe daqui, «lá para baixo». Onde, com sede em em Braga, os Suevos acabariam por fundar o seu reino. No qual se incluiria a nossa região, ou seja, o antigo «Conventus Asturicesis» de época romana, com sede em «Asturica Augusta», a actual Astorga. 

Reino Suevo que confrontava, a sul, este e sudeste, com o Reino Visigodo. E, entre estes, haveria de se estabelecer um «reino de transição», que haveria de andar «à traulitada» com Suevos e, posteriormente, com Visigodos. Reino que, segundo o emanado pela documentação, se chamaria «Sabaria» e seria habitada por um povo, considerado Ástur, com a curiosa designação de «Sappos». Reino esse que também poderia adquirir a designação de «Saparia», sabendo-se da alternância entre [p] e [b] que existe nas línguas derivados do Latim (como, p.e., entre o «saber», em Português, e o equivalente «sapere», em Italiano). 

Um reino cujo território vem sendo assumido como equivalendo, com maior ou menos magnitude, ao antigo território da «Civitas Zoelarum», a que correspondia aos nossos antepassados Zelas. Havendo quem faça corresponder os seu limites, a oeste, com o nosso rio Sabor, curso fluvial com o qual existem associações com o parecido nome «Sabaria». Contudo, há mais coincidências, que com santos têm relação. 

Por alturas dos festejos de São Martinho (o de Tours), a 11 de Novembro, já por aqui trouxe o impacto do ancestral culto ao santo francês. Ao ponto de até termos duas povoações no distrito que ostentam o nome do santo: São Martinho do Peso e São Martinho de Angueira. Culto esse trazido, numa fase mais primitiva, pelo seu homónimo São Martinho de Dume. Homónimo e… conterrâneo! Porque ambos eram da actual Hungria, da antiga província romana da «Panónia». Por isso temos Panóias, em Vila Real, fundada por aquele que seria Bispo de Braga, São Martinho de Dume. 

E… Coincidentemente, São Martinho de Tours, o que se celebrou recentemente com castanhas e vinho, dentro da referida «Panónia», era natural da cidade de… «Sabária» (que hoje tem um nome impronunciável)! Estão a ver a ligação? «Sabária, «Sabaria»… Supõe-se que, nas suas acções de conversão dos pagãos Suevos, São Martinho de Dume tenha decidido honrar o Bispo de Tours, o outro São Martinho, através da designação de um novo reino. Embora… Bem, embora já nos itinerários Romanos existisse uma «Sabaria», que se situaria entre Zamora e Salamanca. A verdade, não obstante todas as conjecturas que possam fazer-se, houve um «reino da Sabaria», que abrangeria terras bragançanas. O qual seria, na segunda metade do século VI, tomado pelos Visigodos, antes de anexarem o Reino Suevo. 

Havendo ainda algo mais… Por isso talvez tenhamos, na freguesia de Donai (Bragança), uma anexa com o sugestivo nome de Sabariz. Nome este que também se repete, por uma vez, numa aldeia do Minho, e dez vezes na Galiza, quatro delas sob o alternativo nome de «Sabarís». Havendo, ainda, uma Sabarei e uma Sabariego… Embora todas elas representem um antropónimo, ou seja, a origem no nome de alguém. Um alguém, que vários foram, que se chamaria «Sabarico». Ou seja, Sabariz terá sido a «villae Sabaricci», isto é, a «quinta de Sabarico». Nome de origem germânica, no entanto, com claras ligações à designação do tal reino de «Sabaria». Não há coincidências, com dois São Martinho pelo meio, ambos oriundos da «Panónia», e um deles natural da cidade de «Sabária»… Um longo caminho da Hungria até às nossas terras… Que, noutras versões mais rebuscadas, poderá, até, representar o estabelecimento de cidadãos romanos provindas do Panónia, em fuga aos Hunos...

Já cá virei, proximamente, com o impacto de Suevos e Visigodos nos nomes das nossas terras, entre, pelo menos, os séculos VI e VIII. Que nessa época (também) já vivia aqui gente… Os «avós dos avós dos avós dos nossos avós»…


Rui Rendeiro Sousa
– Doutorado «em amor à terra», com mestrado «em essência», pós-graduações «em tcharro falar», e licenciatura «em genuinidade». É professor de «inusitada paixão» ao bragançano distrito, em particular, a Macedo de Cavaleiros, terra que o viu nascer e crescer. 
Investigador das nossas terras, das suas história, linguística, etnografia, etnologia, genética, e de tudo mais o que houver, há mais de três décadas. 
Colabora, há bastantes anos, com jornais e revistas, bem como com canais televisivos, nos quais já participou em diversos programas, sendo autor de alguns, sempre tendo como mote a região bragançana. 
É autor de mais de quatro dezenas de livros sobre a história das freguesias do concelho de Macedo de Cavaleiros. 
E mais “alguas cousas que num são pr’áqui tchamadas”.

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