domingo, 14 de dezembro de 2025

Devemos alimentar as aves silvestres?

 Esta pergunta não tem uma resposta simples. Julieta Costa, da Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA), explica as razões.

Foto: Pedro Pina

Os comedouros de jardim e de varanda, destinados às aves de cidade mais comuns, são cada vez mais populares, mas serão benéficos? E será certo ou errado alimentar patos em parques urbanos, como aqueles que encontramos no Jardim Gulbenkian?

Julieta Costa, coordenadora de Conservação Terrestre da SPEA, nota que em Portugal as aves não necessitam de mais alimentos do que os que encontram na natureza. Desde sementes a bagas e pequenos insetos, há comida disponível em quantidade suficiente, mesmo em meses mais frios.

Galinha-d’-água (Gallinula chloropus), no Jardim Gulbenkian. Foto:Diogo Oliveira
Lugres (Spinus spinus) num comedouro. Foto: Mike Pennington/Wiki Commons

No entanto, refere a coordenadora, se quisermos instalar um comedouro ao pé de casa, isso será útil “em invernos rigorosos, quando a neve impede as aves de acederem ao alimento”. “Pode também funcionar como atrativo para observadores e fotógrafos”, até porque alimentar as aves pode ser uma forma de ligação com a natureza.

Existem também casos em projetos de conservação, nomeadamente quando são dirigidos a espécies em risco ou em que “as condições do meio são desfavoráveis”, que necessitam de “suplementação alimentar”. “É nestas situações que faz sentido intervir”, sublinha. Mas essas são as exceções, pois ao darmos alimento às aves – por exemplo, num jardim ou num comedouro – podemos estar a trazer-lhes “mais prejuízos do que benefícios”. Desde logo, porque a agregação de muitos animais num só local “aumenta a probabilidade de transmissão direta e indireta de doenças, através de contactos entre indivíduos ou com fezes, saliva ou sementes contaminadas.”

Julieta Costa lembra vários exemplos: Salmonella sp. em tentilhões e outros passeriformes na Europa e América do Norte; Trichomonas gallinae em verdilhões no Reino Unido (responsável por mortalidade significativa); e vírus da pox aviária em chapins. E alerta ainda para os alimentos de valor nutricional reduzido dados a pequenos passeriformes ou a aves maiores, como patos – “por exemplo pão ou restos de comida humana” – pois podem provocar tanto deficiências alimentares como problemas de saúde. Igualmente preocupante é que “a disponibilidade constante de alimento artificial pode alterar comportamentos naturais, reduzindo a procura de recursos no meio e criando dependência”.

E a água é importante?

Quanto à água o caso é diferente, pois a sua escassez nos meses mais quentes faz-se sentir numa boa parte do território. “Em países como o nosso, onde o stress hídrico sazonal é real, os bebedouros e pontos de água artificiais (como charcas, tanques ou até simples recipientes) podem ser extremamente úteis, especialmente no verão”, explica a responsável da SPEA, que acrescenta que “nestes contextos a falta de água pode ser mais limitante do que o alimento, inclusive em zonas urbanas”.

Existem pequenos riachos, espelhos de água, tanques e lagos artificiais no Jardim Gulbenkian, mas ao pé de nossas casas, ou nos nossos quintais, cada um poderá fazer a sua parte. Assim, no que respeita a recipientes com água, Julieta Costa aconselha a que sejam rasos, com poucos centímetros de profundidade, o que permitirá às aves beberem e banharem-se sem perigo e, sempre que possível, mantê-los afastados do alcance dos gatos! Idealmente devem estar em locais com sombra para manter a água fresca, de preferência longe de janelas ou superfícies envidraçadas, para diminuir o risco de colisões.

Na foto da baixo., espelhos de água no Jardim Gulbenkian; na foto de cima., um pardal (Passer domesticus) a refrescar-se. Fotos: Ricardo Oliveira Alves e Diogo Oliveira

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