terça-feira, 6 de setembro de 2011

Ruy Belo

Contigo aprendi coisas tão simples como 
a forma de convívio com o meu cabelo ralo 
e a diversa cor que há nos olhos das pessoas 
Só tu me acompanhastes súbitos momentos 
quando tudo ruía ao meu redor 
e me sentia só e no cabo do mundo 
Contigo fui cruel no dia a dia 
mais que mulher tu és já a minha única viúva 
Não posso dar-te mais do te dou 
este molhado olhar de homem que morre 
e se comove ao ver-te assim presente tão subitamente
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Este céu passará e então 
teu riso descerá dos montes pelos rios 
até desaguar no nosso coração
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É triste ir pela vida como quem 
regressa e entrar humildemente por engano pela morte dentro
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Digam que foi mentira, que não sou ninguém, 
que atravesso apenas ruas da cidade abandonada 
fechada como boca onde não encontro nada: 
não encontro respostas para tudo o que pergunto nem 
na verdade pergunto coisas por aí além 
Eu não vivi ali em tempo algum
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Mesmo que não conheças nem o mês nem o lugar 
caminha para o mar pelo verão
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Amei a mulher amei a terra amei o mar 
amei muitas coisas que hoje me é difícil enumerar 
De muitas delas de resto falei
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Ver-te é como ter á minha frente todo o tempo 
é tudo serem para mim estradas largas 
estradas onde passa o sol poente 
é o tempo parar e eu próprio duvidar mas sem pensar 
se o tempo existe se existiu alguma vez 
e nem mesmo meço a devastação do meu passado
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Tem o amor a arte de tornar eterno 
aquele que por amor tem de morrer 
e até de morrer jovem amiúde pois os deuses amam 
aquele que perece em plena juventude 
e assim se fixa petrifica e permanece
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Nomeei-te no meio dos meus sonhos 
chamei por ti na minha solidão 
troquei o céu azul pelos teus olhos 
e o meu sólido chão pelo teu amor
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e um olhar perdido é tão difícil de encontar 
como o é congregar ventos dispersos pelo mar
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Terrível é o homem em quem o senhor 
desmaiou o olhar furtivo das searas 
ou reclinou a cabeça 
ou aquele disposto a virar decisivamente a esquina 
Não há conspiração de folhas que recolha 
a sua despedida. Nem ombro para o seu ombro 
quando caminha pela tarde acima 
A morte é a grande palavra para esse homem 
não há outra que o diga a ele próprio 
É terrível ter o destino 
da onda anónima morta na praia


in:astormentas.com

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