Vejo-o a subir a Rua Direita. Cabelo ao alto, esguedelhado,
testa ampla, olhos protuberantes, nariz adunco, bigode farfalhudo, braços
arqueados, a modos de pássaro em preparativos de voo.
Vem listo, excitado; um sorriso largo, divertido,
atravessa-lhe o rosto pálido, quase que macerado.
O Xico-Naireco foi sapateiro intermitente de gáspeas, meias
solas e tombas, andou por França em busca de melhorias na carteira; por último,
arranjou uma ocupação a modos de assim.
No essencial, ao longo da sua existência, o Xico-Naireco só
gostava de uma ocupação: a pesca.
Dentre as pessoas dessa época que o acompanharam, todas
lembram ou recordam vivazmente as suas maneiras livres e cordiais ao dirigir-se
a uma Santa encastoada num nicho sobranceiro à presa de Gimonde.
O nosso homem, antes de lançar a cana, entendeu falar à
Santa solicitando-lhe apoio e protecção, de modo a pescar um barbo nédio e de
tamanho vistoso. Por isso disse à Santa: “Olha, santinha, se pescar um barbo
deste cumprimento…-----e estendendo as mãos em frente ao tronco, alargou-as
significativamente-----dou-te um litrinho de azeite”.
Acto contínuo, atirou lançada bem medida para o meio da
presa. Passados uns minutos, esticadas na linha dão-lhe conta de o anzol ter
apanhado peixe. Içado para fora da água, logo ele vislumbrou soberbo barbo; e
quando a viagem do peixe em direcção ao cacifo ia a meio, não se conteve,
virou-se em direcção à imagem e gracejou: “Santinha querias o litrinho de
azeite, querias…, pega lá”-----e fez um corte de mangas à Santa. Mas, os
trabalhos de retirar o barbo da geringonça aprisionadora correram-lhe tão mal,
que o formoso espécime caiu na água.
Espantado, pasmado, um tanto compungido, o apaixonado
pescador teve artes para ralhar docemente à Santa: “Então Santinha, já não se
pode ter uma brincadeirinha?”.
in: figuras notáveis e notórias bragançanas
Aguarelas: Manuel Ferreira
Texto: Armando Fernandes
Gabriel García Márques diz-nos " A vida não é a que cada um viveu, mas a que recorda e como a recorda para contá-la".
ResponderEliminarDe facto, este texto sobre o Sr. Xico-Naireco baseia-se na imaginação popular e memória colectiva que lhe atribuíram esta estória como sua. Sendo verdade que era um apaixonado pela pesca desportiva, então a ficção não tem aqui espaço privilegiado? Obrigada e um bem-haja a todos que recordam com saudade e respeito o meu Pai.
Laura
Obrigado pela enorme satisfação que me deu ler todos os seus "post". São também as minhas histórias, da cidade onde nasci e que amo apesar da distancia. Fui colega, na "escola paga" no Sr. Guilhermino, do Lezinho, amigo porque contemporaneo, do Fernando Tozé e Adérito Francês. Mais tarde, pos-25 de Abril, em serviço militar no BC3, privei muito e de muito perto com o Senhor Queiróz, o Álvaro, o Manuel (irmão) e muitos outros, sobretudo na cave do Ceuzeiro... :). Enfim, muito obrigado pela felicidade que me proporcionou!
ResponderEliminarCaro Sr. Fernando Borges.
ResponderEliminarNão precisa agradecer. Apenas pretendo, com este meu humilde contributo, que este espaço seja mais um que possa aglutinar as gentes de Trás-os-Montes e principalmente de Bragança, os que por cá ficaram e aqueles outros que, pelas mais variadas razões, se espalharam pela diáspora.
Seja bem-vindo.
Um abraço.