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SOBRE O BLOG: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blog, apenas vinculam os respetivos autores.

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Livro «Vida no Campo» - Portugal vive «o trauma da perda de um mundo rural mitificado»

«Vida no Campo», a mais recente obra do geógrafo Álvaro Domingues, defende que a «dicotomia cultura rural/urbana não faz sentido». Para o autor «sendo a agricultura responsável por apenas 3% do PIB, a economia do país não é agrícola». Para Álvaro Domingues vai longe o tempo das imagens de ficção como a «aldeia da roupa branca». Hoje, o campo é mais um «estado de espirito que alguns conseguem recriar num prato de alheira com grelos».«Se a economia não é agrícola, porque é que usamos o adjectivo rural? E se as “culturas rurais” estavam associadas a vivências e imaginários tradicionalistas, fechados sobre si, avessos ao cosmopolitismo, como lhes chamamos hoje, no tempo em que a “cultura-mundo” entra em qualquer casa?». Com estas interrogações Álvaro Domingues, investigador e professor na Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto, começa por falar ao Café Portugal sobre o seu mais recente livro «Vida no Campo».
Nesta linha de pensamento, Álvaro Domingues reforça a ideia que a dicotomia cultura rural/urbana «não faz sentido». «Basta pensar quantas coisas existem e a que chamamos cidade. Um contexto em que algures alguém vive de um emprego/ocupação na indústria ou nos serviços, de uma reforma, poupança, será urbano. Terá como marca exterior a presença de infra-estruturas - estradas, electricidade, telecomunicações e edificações. No campo, temos o turismo rural, os resorts, as terras quase sem ninguém, os campos abandonados, a agricultura altamente biotecnológica que é feita por empresários e não “rurais”», explica.
Adianta que «só podemos pensar em modo dicotómico quando existem duas categorias, claras, perfeitamente definidas e oponíveis. Noutro caso, não». Por isso, sublinha, «o campo é um estado de espírito que alguns até são capazes de recriar na cobertura de um prédio ou num prato de alheira com grelos».
Uma ideia já defendida no anterior livro do autor, «Rua da Estrada» (o modo de perceber a urbanização fora dos conceitos convencionais de “cidade”). «Tal como a urbanização não é a “Cidade Histórica”, também o campo não é a “Aldeia Típica”», salienta. O que é, então? «É isso que o livro tenta responder», afirma o autor.
Álvaro Domingues percorreu, assim, quase todas as regiões do país para trazer este retrato ao leitor, mas recorda que não o fez com a preocupação de caracterizar aquelas zonas do país. Confessa, todavia, que isso fica para um capítulo do próximo livro que se chamara «Volta a Portugal».
Esclarece que até há pouco tempo, a paisagem rural «coincidia, grosso modo, com a paisagem da agricultura e da floresta que era produzida e mantida pelos agricultores, uma espécie de “jardineiros da paisagem”».
«Se quisermos saber o que é a paisagem do vinho do Porto, sairá o Douro Vinhateiro; se quisermos saber das paisagens da agricultura tradicional e pobre que havia em Portugal, veremos que acabaram e veremos ruínas e terra abandonada. Há quem pense que se pode viver da estetização da paisagem sem pensar em quem a mantém», vinca.
E salienta que «hoje há vida no campo desde neo-hippies que vêem no “regresso à terra” um exercício de protesto social e uma distinção; até fenómenos intensos de “turistificação” para os quais o campo é apenas o cenário ao fundo para o relvado e a piscina».
Sobre a capacidade agrícola do mundo rural português, o geógrafo diz que a questão não passa tanto por essa perspectiva, mas antes pela «lógica dos mercados dos produtos e serviços da agricultura».
«O mercado dos produtos alimentares é um mercado global (como o financeiro)», explica, lembrando que «o próprio mercado dos produtos ditos biológicos (toda a agro-pecuária é biológica enquanto não for também electrónica) e dos produtos DOC (Denominação de Origem Controlada) é um mercado altamente competitivo e exigente em saberes tecno-empresariais».
Por tudo isto, Álvaro Domingues realça que a questão é que as novas agriculturas intensivas e as ditas biológicas, ou seja, as que são de tipo empresarial e integram sistemas económicos complexos, «não são “rurais”, são empresariais e as suas paisagens são as paisagens tecnológicas da produção (segundo os produtos) de vinho, eucaliptos, gado estabulado, milho transgénico, estufas, hortícola intensiva, pomar, etc.».
A ruralidade e o sentimento de perda:
Para o autor, «o desaparecimento real da ruralidade tradicional (Portugal foi o último país rural da Europa e teve o pico da produção agrícola, do emprego e da mobilização do solo nos finais dos anos de 1950) criou um sentimento de perda e de mau luto pela perda que pode ser facilmente transformado em “marca” e em “produto” ou “destino”».

Sobre o turismo rural, define-o como sendo isso mesmo: turismo. «É a rendibilidade do negócio que reformata eventuais actividades agrícolas. O campo é como a “praia” ou a “montanha”; um cenário, um lugar para sair da rotina, para fazer desporto, para comer comida diferente daquela do costume, etc.».
E exemplifica: «É assim Óbidos, no caso da “cidade”, uma espécie de parque temático que fez do cenário verdadeiro da cidade histórica um palco para a indústria do entretenimento; ou o Piódão, no caso do “campo”. A maior parte são, no entanto, paisagens “ordinárias” que não se distinguem por nenhum carácter extraordinário e que misturam tudo com tudo: o passado e o presente; o pomar atrás da casa que tem um café no rés-do-chão; a pequena agricultura de quem se entretém na sua condição de reformado; as estufas e as monoculturas a perder de vista; matas de infestantes por todo o lado, etc.».
Nesta linha de raciocínio, revela que o despovoamento e o abandono são apenas uma das faces da questão. «A mais dura e problemática - o envelhecimento, a pobreza, a dificuldade em aceder aos bens e serviços públicos, etc. - e aquela que mais azedume cria a quem pensava que o campo era uma espécie de coisa bucólica que conciliava os deuses, os animais, a natureza, os humanos e os in-humanos. No Algarve, a máquina de fazer paisagem, que era a agricultura escassa da região deu lugar ao turismo - o dos aldeamentos, do golfe, da casa rústica transformada em residência secundária, etc. Em Entre Douro e Minho há pelo menos 150 anos que casas, fábricas, estradas, campos, caminhos-de-ferro, etc. se misturam numa espécie de paisagem transgénica», descreve.
Álvaro Domingues escreve em «Vida no Campo» que «o trauma da perda de um mundo rural mitificado está longe de se resolver e apaziguar». Mas que trauma é esse e qual a sua origem? À pergunta, o autor responde: «se se reconhecer que no pós II Guerra Mundial se emigrou em massa a fugir da miséria do país, que era sobretudo a miséria dos seus campos, talvez o mito se fracturasse com bastante facilidade».
«Como domina a ideia que o campo é puro, natural, etc., é difícil perceber também que a agricultura que hoje funciona e domina, vai acelerada em sucessivas revoluções tecno-químico-biológicas que não correspondem nada ao cenário da aldeia da roupa branca...», alerta.
Para Álvaro Domingues «está a acontecer uma reinvenção da ruralidade (a palavra mantém-se enquanto não aparecer outra) em que parte das tais novas funcionalidades, imagens, arquitecturas, culinárias, marketing e estilos de vida se vão colando, incluindo as expressões neo-rural ou pós-rural».

O livro «Vida no Campo» (segunda obra de uma trilogia), será lançado em Março na Casa do Conto, no Porto.
«É um livro construído de forma muito distinta que vai desde uma colectânea de textos literários, a fotografias que funcionam como metonímias ou metáforas e que não ilustram necessariamente o texto, a estatísticas, texto científico ou humor. É de largo espectro como os antibióticos! Cada um verá nele coisas muito diferentes, espero, e que sejam úteis para interpelar a realidade», conclui.

Recorde-se que, para além de professor universitário, Álvaro Domingues é investigador e geógrafo e tem-se dedicado ao estudo de temáticas relacionadas com a geografia urbana, o urbanismo e a paisagem.

Ana Clara; Fotos: Livro «Vida no Campo»
in:cafeportugal.net

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