domingo, 16 de dezembro de 2012

Cantar com o Diabo

Local: Torre De Moncorvo, BRAGANÇA


Nas Cabanas, era pastor e ele agarrou, à noite, que era quando costumava encerrar o gado e ia para a Foz do Sabor, para a taberna beber uns copos. Ali tinha taberna, nas Cabanas, nas de Baixo e nas de Cima. Ele era natural das Cabanas de Cima. 
E passava das Cabanas de Cima, pelas de Baixo e ia para a Foz, porque antes a Vilariça era um lugar de muita gente e depois havia muito movimento e havia lá uma taberna, era uma que se chamava "Tia Balbina", e ele ia para lá. Tinha lá violas, tinha lá guitarras, ia para lá muita gente de um lado e de outro, e começavam a cantar o fado. O tal Dionísio cantava muito bem, bebia os seus copinhos; o homem já era alegre e começava a cantar o fado. Diziam os outros: 
- Ó Sr. Dionísio, você é terrível. 
- Pois sou. 
- Para cantar o fado não há como você, não há quem o bata. Até hoje não houve quem o batesse, pelo menos por aqui. Pode haver muitos cantadores mas como ele, por aqui, ainda não houve nenhum que o fizesse calar. Então cante lá mais uma. 
- Ele canta com todos. Aquele que quiser saltar...Vamos um fado. 
Começa o homem a cantar, chega outro que diz: 
- Aquele Dionísio é danado para cantar. 
- Ó rapaz, eu até sou capaz de cantar com o diabo à meia-noite. 
E diz ele: 
- Era capaz de cantar com o diabo à meia-noite, isso é um modo de falar. 
O homem chegou as onze horas, fechou a taberna. Ele agarra, fica um bocadinho a conversar com os amigos e lá se mete das Cabanas de Baixo, e das de Baixo para as de Cima. Mas, antes de chegar às Cabanas de Cima, há ali uma quinta que lhe chamam a "Quinta da Vila Maior" e há lá um ribeiro escuro, tem muitos arbustos, muitos salgueiros... e ele ao passar do ribeiro aparece-lhe ali um homem, uma figura e diz-lhe assim: 
- Então, ó patrão, traz lume? 
- Por acaso trago. 
- Então dê-me lá lume, que eu quero acender o cigarro. 
Acendeu o cigarro, olhou-lhe para as patas e viu-lhe as patas de cabra. Era o diabo. O homem cheio de medo já é repeso daquela palavra da Foz: que era capaz de cantar à meia-noite. 
Devia de ser mais ou menos meia-noite, ficou um bocado atrapalhado. Mas, ele como era artista do fado, cantava bem, lembrou-se de uma cantiga e começou a cantar. 
- Então canta lá tu uma cantiga – o diabo para ele. 
- Não, não, canta lá tu primeiro. 
- Não, não, hás-de cantar tu primeiro – o tal Dionísio. 
O Dionísio lembrou-se então de cantar uma cantiga: 
"E Jesus, valha-me Deus 
Não sei que palavra eu dei 
Que fiz tremer o infemo 
Quando de Jesus Cristo falei." 
Aquilo desapareceu e o homem continuou a andar para a terra, para as Cabanas de Cima. 
Chegou a casa, meteu-se na cama, esteve lá três dias sem comer quase nada, não saía dali cheio de medo. Mas, nunca mais cantou cantigas dessas, nunca mais deu-lhe para essas coisas.

Fonte:AA. VV., - Arquivo do CEAO (Recolhas Inéditas) Faro, n/a,

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