sexta-feira, 24 de julho de 2015

Bragança - A História Recuperada


Os capítulos que antecedem estas linhas permitiram realizar uma primeira apresentação dos trabalhos arqueológicos realizados nos últimos anos na cidade de Bragança.
Não será este o último trabalho realizado sobre a Arqueologia brigantina. Não pretendíamos com este livro esgotar as fontes, os temas, os múltiplos aspectos de uma história, como todas complexa e cheia de realidades diferentes.
A investigação da estratigrafia e dos materiais exumados contínua, como continuarão, sem dúvida, nos próximos anos, outros trabalhos arqueológicos a serem realizados na cidade.
O nosso olhar sobre a História de Bragança oferece ao leitor aqueles aspectos que consideramos mais significativos, mais relevantes entre os dados obtidos das escavações e acompanhamentos arqueológicos.
Não pretendia nem pretende ser este um livro da História da Cidade. Contudo, os trabalhos realizados ofereceram-nos mais do que esperavamos de início. Podemos hoje dizer que recuperamos para os brigantinos partes da sua história, esquecidas no tempo e enterradas durante séculos. Um passado, para eles até hoje desconhecido, que volta reforçando os alicerces das origens da actual cidade.
Embora alguns autores tenham afirmado há já algum tempo, sem provas mas com grande intuição, o passado romano da cidade, é agora, após a realização dos trabalhos arqueológicos que temos as provas da existência de estruturas romanas no lugar que chamamos cidade de Bragança.
Com efeito, as investigações realizadas confirmam a presença, em vários pontos da cidade, da Cidadela à Praça Camões, de muros e materiais romanos datados entre o século I e o século III d.C.
Destacam-se, entre eles, as estruturas escavadas na Praça Camões em fase prévia a construção do actual parque de estacionamento. As dimensões da estrutura porticada, a não identificação dos limites das edificações romanas e o achado de materiais romanos em camadas modernas de zonas próximas, permitem-nos acreditar que estamos, provavelmente, perante um conjunto complexo de casas e estruturas que ultrapassam, em muito, os limites da actual escavação arqueológica. Por isso, torna-se imprescindível criar áreas de protecção arqueológica nas áreas envolventes das zonas onde apareceram níveis romanos. Áreas onde qualquer actividade que afecte o subsolo deva ser antecedida ou, pelo menos, acompanhada por arqueólogos. Estes poderão permitir interpretar melhor os nossos achados, recuperando talvez novas estruturas ou materiais arqueológicos de interesse.
O conjunto de cerâmicas, metais e ossos, exumados dos níveis romanos não têm apenas um valor como peças, como objectos, seu valor fundamental é o de nos oferecer informações de grande interesse para conhecer a actividade humana do passado. Os materiais do século I d.C., encontrados nos níveis arqueológicos depositados sobre o desmonte das estruturas romanas, mostram os circuitos comerciais que permitiam abastecer, com objectos procedentes de diferentes partes do Império, o complexo urbanismo romano que hoje apenas espreitamos através dos muros encontrados na Praça Camões.
Embora não seja hoje possível afirmar uma continuidade física entre os vestígios encontrados no antigo mercado, os identificados em trabalhos da Câmara de Bragança na rua Abílio Beça, e os aparecidos nas sondagens realizadas na Cidadela, podemos, contudo, afirmar que estamos perante um lugar de certa importância no panorama do mundo romano do Noroeste peninsular.
Qual foi o motivo desta ocupação romana é algo que ainda escapa ao nosso conhecimento. Em qualquer caso não é estranha dentro do mundo romano do Noroeste peninsular e muito menos numa zona bem relacionada com o Império, como a dos antigos zoelae, e no caminho entre Brácara Augusta (Braga) e Astúrica Augusta (Astorga). Uma posição de controlo da zona, talvez de forma administrativa ou militar, poderia explicar as origens desta ocupação.
A presença humana neste lugar não ficou apenas circunscrita ao século I d.C., continuando durante toda a Época Romana, como podemos comprovar pelos materiais identificados nos trabalhos realizados para a Sociedade Bragança Polis na Cidadela de Bragança.
É então, no fim do império, quando aparecem os primeiros documentos escritos que nos falam da paroquia sueva chamada Vergantia. Durante a Alta Idade Media a documentação fala-nos do território de Bragança como divisão administrativa, mas não aparecem provas escritas da continuidade da ocupação urbana.
O momento até hoje considerado como de fundação da cidade corresponde à renovação realizada por D. Sancho I, povoando e concedendo carta foral a um lugar que, como temos afirmado, tinha uma origem muito anterior. Desta forma, o segundo rei português reafirma a sua posição perante o rei de Leão e domina a terra frente a senhores feudais, mosteiros e ordens militares.
A Arqueologia não tem, por agora, permitido documentar a ocupação do período que vai desde o final do período romano até o momento em que foi concedida a carta de foral datada de 1187. Serão, sem dúvida, trabalhos a realizar na cidadela os que poderão trazer novos dados sobre esse período histórico. Os trabalhos arqueológicos permitiram identificar aspectos importantes da época baixomedieval. A investigação em curso sobre o grande conjunto de sepulturas escavadas dos cemitérios das épocas medieval e moderna das igrejas paroquiais de São Vicente, São João, Santa Maria e da capela de São Sebastião, permitirão, no futuro, compreender melhor os hábitos alimentares, as doenças e características físicas das populações da cidade.
O estudo das cerâmicas tem já permitido observar aspectos relacionados com os circuitos comerciais que ultrapassavam as fronteiras dos reinos de Portugal e Leão, como a presença de fragmentoscerânicos vindos, talvez, de terras longínquas como o mediterrâneo. As mesmas formas, as mesmas peças em zonas distantes, em Leão, em Zamora, em Bragança mostram a realidade de umas rotas comerciais, de intercâmbio de produtos, de movimento de pessoas que surpreende pelo seu dinamismo. Os níveis arqueológicos falam-nos dessa época em que a fronteira era ainda instável, oferecendo moedas dos séculos XIII e XIV, tanto portuguesas como dos reinos de Leão e Castela.
As estruturas de casas encontradas na cidadela podem oferecer novos dados sobre os sistemas construtivos e sobre a identificação das zonas de habitação. E podem, como sucedia com os níveis romanos da Praça Camões, ser um elemento fundamental para identificar zonas de especial protecção, zonas onde realizar escavações fundamentais para conhecer a evolução de Bragança entre o período romano e a fundação da vila nova por D. Sancho I. Neste sentido, a construção na cidadela do quartel militar nos inícios do século XIX e a sua destruição no século XX, levaram a deposição de grande aterros para urbanizar a zona construindo uma grande praça, que parecem ter fechado e protegido
níveis arqueológicos antigos de grande interesse.
A Arqueologia não acaba, contudo, na época medieval, como também não acaba a própria história da cidade. A cidade muda, cresce adaptando-se a novas realidades utilizando como eixo os antigos arruamentos que ainda hoje são a coluna vertebral do urbanismo.
Os vestígios arqueológicos são agora mais abundantes, embora nem por isso mais transparentes. Às vezes são os níveis mais modernos, os materiais das épocas mais recentes, os mais desconhecidos comparados com produções seriadas como as sigillatas da Época Romana.
A época dos descobrimentos traz novas rotas comerciais, novos materiais e produtos que chegam então à cidade. Os azulejos hispano-árabes procedentes de Sevilha, relacionados com a construção do Colégio dos Jesuítas, as porcelanas chinesas do século XVI, as faianças de Talavera, acompanham, as produções nacionais de faianças do século XVII. Na época moderna, possivelmente devido ao aparecimento de novos centros produtores e à entrada de Bragança em novos circuitos comerciais, a produção cerâmica — tanto a faiança como a comum — sofre transformações. A presença da faiança influencia e muda a própria cerâmica comum, surgindo peças mais complexas e variadas.
Herdeiro de algumas destas tradições cerâmicas surge assim o centro oleiro de Pinela, de carácter marcadamente regional, que chegará até os nossos dias, ocultando da memória das pessoas outras produções que existiram no passado.
A cidade cresce durante a época moderna, novos edifícios são construídos, como o Colégio dos Jesuítas, como a inacabada Catedral do século XVIII, deixando testemunhos da sua construção ou manutenção, como mostra o poço de fundição de sinos de começos do século XVIII, relacionado sem dúvida com a torre sineira da Sé.
Ao mesmo tempo que cresce e novos edifícios nascem, também são renovadas e construídas novas infra-estruturas urbanas. Os trabalhos arqueológicos permitiram identificar complexos sistemas de canalizações, formados por aquedutos que transportavam águas pluviais e residuais. Um caso exemplar e o do complexo sistema de túneis, a volta da cidadela, ainda pouco conhecido e que merece a atenção dos investigadores.
O mesmo espírito de renovação urbana é o que impulsionou, como em épocas anteriores, já no século XXI, a actividade da Sociedade Bragança Polis. Contudo, um aspecto fundamental muda nesta actividade construtiva. Pela primeira vez, o grande plano de construção de infra-estruturas e equipamentos é precedido de um ambicioso plano de trabalhos arqueológicos. Um plano que visa dar apoio, condicionar, modificar ou simplesmente acompanhar as obras com vista à protecção dos vestígios arqueológicos, e que tenta, igualmente, permitir o acesso da informação dos trabalhos aos cidadãos.
É uma mudança fundamental na forma de fazer e de pensar na cidade que permite avançar para o futuro sem destruir os alicerces do passado, levando a usufruir do património histórico, arqueológico e cultural, convertido, deste modo, numa mais valia para a cidade. É, em soma, uma forma de progredir na construção do futuro da nova
cidade sem perder de vista o olhar sobre a sua própria história.

in: Bragança um olhar sobre a História
Publicação da C.M.B.

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