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SOBRE O BLOG: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blog, apenas vinculam os respetivos autores.

quinta-feira, 6 de junho de 2013

LEITE, em Comeres Bragançanos e Transmontanos

“Porque não me verteste como leite, e me coalhaste como queijo”
[Job 10.10 Antigo Testamento]

A literatura clássica do Ocidente e do Oriente revela-nos o elevado apreço em que o leite era tido, o rito carregado de simbolismo da ordenha das fêmeas e todos os actos subsequentes ligados à preparação e consumo dos derivados é vivo exemplo de tal. É símbolo de fecundidade, associando-se ao fogo celeste, no mito hindu da Batedoura do Mar do Leite é a essência da criação, outras lendas e mitos acerca da criação entroncadas no leite fazem parte do património imaterial do Egipto, Grécia, Japão, Médio Oriente e Ásia. No Lácio pré-romano a deusa-mãe era a Deusa do Leite, Lat, Latona, na mitologia greco-romana, à deusa Lat dedicaram-lhe a ilha de Malta, escrita na forma primitiva do seu nome, Ma Lata. No italiano de agora late é leite.
Um santuário dedicado a esta deusa pelos egípcios, recebeu dos gregos o nome de Latópolis. Na Arábia, Al-Lat é o feminino original de Alá, e o leite entra no rol das delícias do paraíso.
Os gregos preferiam o leite de cabra e ovelha, os romanos também bebiam leite de camela, égua, mula e burra, o queijo fazia parte da alimentação regular das populações rurais. A infeliz Popeia na ânsia de agradar a Nero banhava-se em leite de burra, ela acreditava que este tratamento à pele, a deixava brilhante, lisa e sedosa.
A crença de que algumas cobras conseguem chupar o leite das mulheres, vacas e outros mamíferos lactantes (que animava os serões invernais nas aldeias transmontanas, e não só), radica-se na associação da serpente primitiva com a Grande Deusa do universo. O antropólogo José Gabriel Pereira Bastos na obra A Mulher, o Leite e a Cobra enumera episódios recolhidos em todo o País, relatando actos das cobras a chuparem traiçoeiramente o leite do seio das mulheres, Na Ásia o leite da fêmea de zebu e da de búfalo é sagrado. Na opinião de São Paulo é alimento de estômagos delicados, de meninos e de todos os que não podem receber alimentos sólidos (1 Coríntios3,2 e Hebreus 5,12). O pseudo Dionísio Aeropagita comparava os ensinamentos de Deus ao leite, afirmando:”As palavras inteligíveis de Deus comparam-se à agua, ao leite, ao vinho e ao mel, porque têm como a água o poder de fazer nascer a vida, como o leite o de fazer crescer os vivos, como o vinho em reanimá-los, como o mel o de curá-los e conservá-los”.
As virtudes do leite no tratamento de todo o género de doenças foram exaltadas por Dioscórides, Hipócrates e Galeno tendo as suas sentenças transitado pelos séculos fora, em Portugal esses “ensinamentos” persistem até agora no âmbito da medicina popular, sendo o leite de burra apregoado como o melhor para certo tipo de doenças mesmo no âmbito da medicina científica.
Para os celtas era bebida da imortalidade e das mézinhas curativas, os cristãos na Idade-Média associaram-no à boa mãe, a Senhora do Leite é a mãe que amamenta amorosamente o filho, a má mãe deixa a serpente mamar na teta, a iconografia existente demonstra esta dualidade: a Senhora representa o bem, a serpente o mal.
A Infanta D. Maria quando saiu de Portugal a fim de casar com o Duque de Parma levou um receituário dividido em cadernos, um dedicado às receitas de leite – o Caderno dos manjares de leite (1480).
A alimentação dos nascituros nos primeiros meses estava confinada à aleitação, por essa razão as mulheres rezavam e imploravam para não secarem os peitos às mães. Em Sisbuselo, concelho de Montalegre, as mulheres iam à Capela de S. Mamede (advogado das mulheres que andam a criar), fazer-lhe promessas de cereais, cabritos e cabras, enquanto bebiam raspas dos pés do Santo misturadas com leite, e: “Para terem mais leite as mulheres comem madressilvas, azeitonas e caldo de couves”, na aldeia de Carviçais, concelho de Moncorvo, refere o V volume da Etnografia Portuguesa de Leite de Vasconcelos.
A desmama aí pelos dois anos de idade nem sempre era pacífica, quando a criança insistia na prática da mama, a mãe untava os peitos com azebre a obrigar à rejeição dado o sabor amargoso do seio, em matéria de desmame tardio é exemplo D. João III, pois só a aceitou quando já tinha feito três anos.
Por razões de economia mesmo nas meios rurais mais povoados por rebanhos bebia-se pouco leite, embora António Lourenço Fontes em Etnografia Barrosã, volume II, afirme que: “Vinho, se o há, bebe-se.
Ou então, leite frio de vaca ou cabra”. A pouco mais de uma centena de quilómetros de distância, poucos anos antes da época da publicação da obra do conhecido Padre Fontes, o cientista social Jorge Dias verificou que em Rio de Onor não acontecia o mesmo, estando quase ausente, leia-se: “Café e leite são alimentos praticamente desconhecidos. O leite só se usa nas doenças, o resto vai todo para os vitelos”, pág. 155 de Rio de Onor: Comunitarismo Agro-Pastoril.
A lengalenga que a dado trecho entoa: “E a cabra deu o leite/E o leite é para as velhas...”, corrobora as observações de Jorge Dias.
Ninguém desconhecia o valor do leite enquanto alimento, valiosa poção empregue no combate a doenças ou debilidades, mas a penúria obrigava a transformá-lo em queijo e manteiga, nos dias nomeados, os que podiam empregavam-no na confecção de bolos e doces de colher.
O abastecimento de leite à cidade até aos anos setenta do século XX fazia-se através de leiteiras que andavam de porta em porta, embora, pelo menos a partir dos anos quarenta, três leitarias o fornecessem, bem como natas e manteiga.
As ditas leitarias talvez não se predispusessem para os clientes imitarem Almeida Garrett bebendo “chá preto com leite e torradas”. No entanto, são um curioso indicador da estrutura social de Bragança ao tempo, já que na comparação com as nove casas de pasto e três pensões anunciadas, as leitarias indicam hábitos de consumo menos vulgares, além de estabelecerem clara diferença entre a alimentação operada na cidade e a conseguida nas aldeias. As ditas leitarias pertenciam a António Augusto Dias, António Manuel Nogueiro e Maria Madalena Fabião.
O costume de o palato ser deliciado com natas é bem mais antigo que as leitarias, podendo-se afirmar que o ilustre Braganção, Fernão Mendes, o Bravo, deve às ditas cujas natas o facto de ter forçado D. Afonso Henriques a conceder-lhe a mão de uma irmã, tornando-se cunhado do rei Fundador. O grande guerreiro partilhava alegre refeição de natas com o rei e outros nobres, quando deixou escorrer pela barba um fio delas. Os restantes convivas riram-se do aspecto do Braganção, este não gostou, zangou-se, exigiu casar com a irmã do rei, por sinal casada com um dos gozadores, e casou.
No que tange às artes culinárias o leite entra na composição de sopas, caldos, cozedura de diversos peixes, de certas carnes, bolas, folares, massas, pastelões, molhos, gratinados, sobremesas, doces, fabricação de manteiga, queijos, iogurtes, natas frescas e gelados. No referente a bebidas pode ser tomado simples, misturado com café e chá, aromatizado com xarope de frutas, achocolatado e baunilhado.

Comeres Bragançanos e Transmontanos
Publicação da C.M.B.

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