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SOBRE O BLOG: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blog, apenas vinculam os respetivos autores.

quinta-feira, 6 de junho de 2013

MILHO, em Comeres Bragançanos e Transmontanos

“Na cozinha, reconheceu de pronto a comprida mesa das ceias da família, à qual se apoiava à parede, por baixo dos armários de louça. Noutro tempo, corriam, empinados por dentro das prateleiras, grandes pães de milho”.
[in Gente Feliz com Lágrimas, de João de Melo]

O autor, açoriano, rememora a cozinha antiga e não esquece os grandes pães de milho a confirmar o impacto do cereal originário do México, descoberto por Cristóvão Colombo e que Cortez introduziu em Espanha, dali rapidamente se propagou à zona atlântica portuguesa num primeiro momento, num segundo estendeu-se a Trás-os-Montes, e outras províncias portuguesas. Nos já conhecíamos o milho painço (milho-miúdo, zaburro ou sorgo, ainda usado na confecção de alguns doces), o vindo do Novo Mundo passou a ser conhecido por milho grosso, milhão, milho graúdo ou de maçaroca evitando-se desta a forma a confusão com o antecedente.
O milho painço durante séculos teve larga preponderância na Europa, perdeu-a com a chegada do milho grosso, mas ainda continua a fazer parte da dieta de populações africanas e asiáticas. Por cá, enquanto o milhão não se impôs em termos gerais, as comunidades a norte do Tejo utilizavam na confecção do pão meiado ou meado (mistura de grãos de milho e centeio), significando a palavra boroa o pão de painço comido pelos pobres.
O rijo e notável escritor transmontano Miguel Torga, em Contos da Montanha, no conto Solidão fala no modo como o pertinaz almocreve Duro comprava milhão após longo regateio. Nas profundezas do reino maravilhoso torguiano comprar sem regatear só os novos-ricos.
No século XVII, os habitantes de Entre Douro e Minho faziam, «pão de milho ou painço misturado com centeio, o qual diziam ser melhor que o de rala, de Lisboa», informa José Leite de Vasconcelos. Acrescenta ainda que o painço em Paredes de Coura era “exclusivamente alimento de aves”, não seria só nesta localidade, pois os minhotos nos alvores do século XX ainda recebiam o pejorativo epíteto de «pica milhos».
O sábio, no entanto, anota que em Paredes de Coura se faziam papas com milho-miúdo a que davam o nome de estirada. Estas papas de milho-miúdo levavam leite e açúcar, fazendo-se também só com água, gordura de porco e sangue. O milho-miúdo estava associado ao milho grosso e trigo na confecção de filhoses.
O professor Orlando Ribeiro destaca o desempenho do milho grosso no combate às carências alimentares, afirmando que a par da batata, este cereal é responsável por uma profunda alteração nos hábitos alimentares das populações mormente no Minho e Douro onde, justamente, atinge a condição de marca identificadora da dieta nessas províncias e na Beira Litoral.
Actualmente, o milho tem significativo lugar no sistema dietético do continente americano, de um modo geral a indústria agro-alimentar apresenta-o em pães, caldos, crepes, sonhos, corn-flakes (flocos de milho), bolos e doces de colher, ainda na fabricação de uísque (bourbon) e algumas cervejas. O milho pop-corn, em grão, dá azo à fabricação de pipocas avidamente consumidas pela juventude, aquecidos em óleo os grãos dilatam e rebentam formando suaves massas brancas.
Antes da massificação alimentar, o milho grosso aliviava o afiado apetite dos pobres, ainda nas espigas comia-se assado, fora das espigas metiam-se os grãos tenros no forno passando à condição de petisco, à massa branca que deles emanada chamavam-lhe freirinhas por lembrarem os hábitos freiráticos, além disso, da farinha faz-se o pão nosso de cada dia, boroa ou broa, caldos, papas, bolos, e os não tão conhecidos assim: milhos. No que concerne às papas existem inúmeras receitas localistas, milharas em Melgaço, mexudas na Sertã, Mação e Sardoal, mixudas, em Ourém, de carolo em muitos localidades, papas moiras em Odeceixe, xérem no Algarve, e...milhos.
Festas consagradas às papas ocorrem em muitas aldeias e freguesias, e percebe-se a razão: as guerras, as catástrofes, as más colheitas reduziam à miséria as populações, obrigando os camponeses a viverem sob a ameaça permanente da doença e da morte. Nas Memórias do Abade Baçal, Tomo XI, vem publicado um documento de 1639, de vigorosa reacção da Câmara ao lançamento de novas contribuições, impugnando-as, pois nessa época grassava na cidade violenta falta de alimentos. O impressivo relato da fome resultante da má alimentação da comunidade bragançana obriga-nos a perceber os fundamentos das festas em honra de produtos e artes culinárias, neste caso das papas. Entre outros argumentos para a contestação da Câmara, o documento em causa refere: “E alem desta sisa com que já se aquietam por lhe ficar como em herança de seus passados, tem dado esta Camara a sua magestade de seis annos a esta parte pera a restauração do Brazil e armadas a saber no ano de seis centos e vinte e nove mil res e no seguinte de seis centos e trinta e quatro centos mil res, que com particular provisão sua se pedirão prestados aos mesmos moradores de que ainda se está devendo muita parte, e outro si se pagarão alguns pedidos como foi o imprestimo geral e a esmola voluntária que pouco tempo he se tirou por todos com róis feitos das pessoas que davam e não davam e outro lançamento que fes pellas pessoas de trato e meneio nos coais todos contriboirão os moradores desta cidade e sua terra como bois vassalos a troco de o tirarem da boca de seus filhos e ficarem postos no ultimo da miseria tudo por acudir as necessidades que sua magestade lhe representava por quanto ouve pessoas a que foi necessario venderem parte dos vestidos de seu uso por escusarem as prisois com que estão ameaçados das justiças.
Nisto se junta a carestia de pão que nos persegue desde ano de seiscentos e trinta e tres porque nese ano lhegou a valer a quinhentos res o alqueire...”
Este excerto do enérgico relato sustenta as teses de Fernand Braudel quando alude às “culturas miraculosas”, o milho e a batata, que só “tardiamente se instalaram” amortecendo as faltas de comida que aumentavam quando os cereais falhavam. O pão duro, bafiento, não se podia perder de forma nenhuma a solução residia na confecção de papas e sopas, com a chegada do milho grosso o pão de mistura recebeu um poderoso componente, as papas também. As papas possibilitavam (possibilitam) o aproveitamento do rolão (farelo ou parte mais grossa da farinha de trigo) e no caso do milho moído (mas não em farinha), os populares milhos, que podem ser acompanhados por carnes, enchidos, peixes, moluscos e bivalves.

Comeres Bragançanos e Transmontanos
Publicação da C.M.B.

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