sexta-feira, 25 de julho de 2014

O Diabo e o Lavrador


Conta-se que um dia o diabo foi ter com um lavrador e propôs-lhe fazerem uma sementeira a meias. O lavrador, como lhe fazia jeito dividir os encargos, aceitou.
   – E que semeamos? – perguntou.
   – O que for melhor – disse o diabo.
   – Que tal semearmos um campo de batatas?... – avançou o lavrador.
   – Pois que seja – concordou o sócio.
   Meteram então ombros ao negócio. O diabo entrou com as sementes, os adubos, os pesticidas, e o lavrador entrou com o trabalho. Foram dias, semanas, meses, a sachar, a regar, a pulverizar... e, por fim, o batatal cobriu de verde toda a planura do campo. Ficou um autêntico regalo para os olhos. A colheita adivinhava-se da melhor.
   Entretanto, ao aparecer para a colheita, o diabo ficou de tal modo deslumbrado com tanta verdura que logo procurou arranjar maneira de ficar com a melhor parte. Propôs então ao lavrador:
   – Vamos fazer a divisão da seguinte forma: eu fico com a parte do batatal que está para cima da terra e tu ficas com a parte que está para baixo.
   O lavrador nem pestanejou. Aceitou logo.
   – Se é assim que queres, assim seja!
   Já se está a ver. Ficou o lavrador com as batatas e o outro com a rama.
   No ano seguinte, apareceu de novo o diabo ao lavrador a propor que voltassem a fazer uma sementeira a meias.
   – E que semeamos? – perguntou o lavrador.
– O que for melhor – disse o diabo.
– Batatas, não, que ainda as tenho do ano passado. Que tal semearmos um campo de trigo?
   – Pois que seja – concordou o sócio.
   Reataram então o negócio.
   O diabo entrou com as sementes e o lavrador com o trabalho. Chegada a altura da colheita, lá estava a seara – e que bela! – a ondular ao ritmo da brisa mansa do Estio. Veio então o diabo para as partilhas e diz ao lavrador:
   – Da última vez não me correu bem o negócio que fiz contigo. Por isso, ficas tu agora com a parte do cereal que está por cima da terra e eu fico com a parte que está por baixo!
   O lavrador aceitou. É claro. Ficou ele com o grão e o outro com as raízes. Quando deu conta da asneira que fez – dizem –, o diabo fartou-se de dar guinchos e pinotes. E daí em diante já não quis mais sociedades com o lavrador.

Alexandre Parafita, “O diabo e o lavrador”, in Diabos, Diabritos e Outros Mafarricos, Lisboa, Texto Editora, 2003.

Sem comentários:

Enviar um comentário