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SOBRE O BLOG: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blog, apenas vinculam os respetivos autores.

sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

As minhas recordações de Natal

Vila Flor - Vista parcial 1980
    Dezembro, mês das festas, do frio, das férias e da pequenada ficar feliz, porque festas e férias, são sempre bem-vindas, e o frio também pouco atrapalha as correrias e brincadeiras, até mesmo quando a neve se faz anunciar, branca e leve, branca e fria, é tão-somente algo mais que se vem oferecer para mais brincadeiras.

    Eis que é chegado o momento tão esperado, o mais esperado até: o Natal. A canalhada é convocada a colaborar.
                  
    Todos ajudam: pegam em cestas de verga, caixotes de madeira e caixas de papelão, e trec-trec, ala para o monte à procura de musgo, e cada um se esforça para arrancar a palanca maior e mais bonita, como se de tesouros se tratasse.

    Os mais velhos cortam uma pernada de pinheiro – sim que isso de cortar um pinheiro inteiro é um autêntico sacrilégio. Trazem-se os caixotes onde se guardam as figuras e começa-se a montar o presépio.
                                       
    Ainda me lembro de elementos que não podiam faltar: o poço, o lago com patinhos, uma mulher ajoelhada a lavar roupa, um caminho com areia, serras com neve, ovelhas, os Reis Magos, a cabana – que eu tão bem iluminava – coberta com palhinhas e uma estrela pendurada. Lá dentro, o burro, a vaca, o Menino Jesus, com o pai e a mãe.

    De todas estas figuras poucas restaram, porque um reco preto que tivemos, muito bravo, nada parava com ele, conseguia abrir a porta da loja às focinhadas, subir as escaleiras, abrir o cancelo e dar a volta ao patim. Um dia, nesse Natal, entrou em casa, escangalhou o presépio e roeu quase todas as figuras.

    Depois do presépio feito, já começava a parecer Natal em nossa casa, em Carvalho de Egas. A minha avó materna, que morava no Nabo também vinha passar uns dias connosco, e trazia figos secos e amêndoas.

    Naquele tempo não se comprava a farinha na loja, era preciso ir ao moinho a Vale de Torno, que dista cinco quilómetros, para moer o trigo ou trocar o grão por farinha.
             
    Na falta de transporte, a minha mãe pedia um burro emprestado, senão tinha que levar o saco à cabeça. E lá ia ela em busca da dita farinha.

    Ouve um ano em que quase morreu de susto. Já era noite e ela sem chegar a casa, nós, moçoilas pequenas, chorávamos a pensar ter ficado sem a mãe.
                                 
    O que aconteceu, é que nesta quadra havia muita gente no moinho, para fazer o mesmo e quando chegou a vez dela já era tarde.

    No regresso, vinha a pé com o burro à rédea, carregado com os sacos de farinha. A meio do caminho avistou uma sombra que lhe pareceu um homem com um pau às costas.
           
    Subiu para cima dos sacos e tocou o burro a todo galope, e quase perdia os sacos da farinha. Ao aproximar-se da assustadora sombra, mais não era do que um pequeno sobreiro, cuja sombra projectada contra o céu, no negrume do lusco-fusco parecia um malfeitor.

    Depois cabia à mãe a tarefa de preparar as lambarices para a Consoada: as filhozes – as fritas como se dizia –, o arroz-doce – ou arroz de leite, como se dizia –, as rabanadas doces e as avinhadas, e os sonhos.

    Para fazer as fritas, amassava-se a farinha com os ovos, fermento, água quente, azeite, sal e punha-se a massa a levedar. Quando já estava fofa, faziam-se pequenas bolas para separar a massa, que depois se estendiam cada uma com auxilia de farinha para não se pegarem às mãos e colocavam-se na sertã em azeite a ferver, que depois de alouradas se polvilhavam com açúcar e canela – tarefa, que me competia, quando era mais pequenina, tirando eu partido disso, lambitando as primeiras.

    Depois fazia-se o arroz-doce como a minha avó gostava e costumava dizer:
- Arroz de leite, comia uma caldeira dele.
           
    Eu gostava especialmente quando era cozinhado com leite de ovelha, bem doce e polvilhado com canela. Não me lembro na minha infância de algum vez ter visto arroz-doce com gemas de ovo, nem em festas, casamentos ou baptizados.
         
    As rabanadas faziam-se na véspera, até porque as avinhadas ficam mais saborosas quando ensopadas no vinho. As polvilhadas com açúcar e canela podem ser feitas no dia da Consoada.
                     
    O bolo-rei é uma gulodice mais recente, mas muito desejada pois todos queriam que lhe coubesse a prenda e não a fava.

    Punha-se a mesa e fazia-se a ceia, o bacalhau cozido com as batatas e as couves, era tradição. Essas couves recozidas do gelo, que muitas vezes ainda tinham que ser desenterradas debaixo da neve, eram as mais saborosas que algum dia comi. Esse sabor ficou adormecido num recanto da minha memória, só acordado quando recordado por outro igual.

    O polvo de meia-cura, que vinha em cestos redondos, feitos de canas, ficava pendurado num prego os dias que antecediam a ceia, até ser cozinhado com batatas, que ficavam tão vermelhas quanto este.
                       
    Nós ainda fazíamos o arroz de couve, só com os olhinhos da couve penca, que era o arroz preferido da minha avó.

    Terminada a ceia, que decorria rápida devido ao frio da sala, corríamos para a lareira para iniciarmos os jogos típicos da noite de Natal: o “par e pernão”, “ferrum fum fum, ferrum fum felho, quantos porcos há no meu cortelho”, jogos que eram jogados com nozes, pinhões, amêndoas e figos, os quais íamos assando na brasa, que íamos mordicando até à hora da Missa do Galo.

    Saíamos de casa um pouco antes para irmos ao Largo da Fonte, onde se encontrava a Fogueira de Natal, que a mocidade costumava acender na noite da Consoada e para dar boa-sorte devia durar até à noite do Ano Novo. O canhoto era tão grande que por vezes durava até ao Dia de Reis.

    De seguida íamos à Missa do Galo, onde se festeja o nascimento do Menino Jesus, beijando o seu pezinho.
                                  
    No regresso a casa, já estávamos à espera do presente do Menino Jesus. Uma vez que já tinha nascido e nós morávamos perto da igreja, bem podia começar a fazer a distribuição pela nossa casa.

    Pouco dormíamos nesse noite, mal clareava o buraco nas telhas, corríamos ao lar – como naqueles tempos nós chamávamos à lareira –, onde tínhamos deixado os socos na esperança do tão desejado presente.

    Tristes ficávamos quando confrontadas com as nossas amigas, verificávamos que o tal Menino lhes trazia sempre mais e melhores prendas a elas. Sem percebermos que mal havíamos feito, esmorecíamos na devoção que devotávamos a Jesus.
              
    Mais tarde percebemos: o nosso pai não morava em França... Os nossos presentes eram os que havia nas pobres feiras transmontanas.

Por: Maria de Fátima Amaral
in:vilaflor.blogs.sapo.pt

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