Passados que são mais de 50 anos ainda senti que havia algum receio em falar do que se passou. O olhar receoso da mulher quando ele falava mais solto e mesmo as choçadelas que lhe dava na perna, de modo despercebido, mostram bem o receio que ainda se sente.
O conflito surge porque alguns capatazes, chefes de equipa de trabalho agrediram fisicamente alguns dos trabalhadores da aldeia. Esta situação começa a gerar algum mal-estar entre a população e os barragistas.
Numa dessas situações de ânimos mais exaltados as pessoas juntam-se na zona do Sto Cristo, a GNR intervém, faz disparos e provoca alguns feridos. A revolta chama revolta e a aldeia em força junta-se e desarma a GNR. O reforço do contingente é significativo e muita gente é presa, agredida, ao soco, pontapé, cassetete e acusada, mesmo aqueles que não tinham estado envolvidos. A tragédia poderia ter sido maior. Alguns elementos da população que na posse de bombas de dinamite tentam atear-lhes fogo e lança-las contra a GNR. A dinamite estava com muita humidade e, sorte, não se incendiaram, teria sido uma tragédia, além dos guardas muita população teria sido atingida.
Quase já em fim de conversa e passadas hora e meia esticada e totalmente solto, fala doutras coisas. O brilho dos seus olhos e o riso achega-se como a reviver tempos de juventude e dispara: «ainda conheceste o tiu Porfírio Panqueler?» «Si.» «Era um homem balente e mui pandego. Já naquele tempo, quando se foi prá tropa, apareceu cá com duas raparigas. Depois teve que ser o pai a pagar-lhes a viagem para as mandar embora.
António Cangueiro |
No outro dia quando alguém lhe perguntava como tinha acontecido aquilo, ele respondia: «a minha mula deu-me cá uma patada!»
Sem comentários:
Enviar um comentário