sexta-feira, 10 de abril de 2015

Dás-me uma dentada, dou-te uma pedrada.

Salina, largo onde tanto joldei. Uma amoreira da índia ao centro. Ainda hoje lá está. Dava amoras brancas grandes. Muito boas. Ainda deve dar. Largo amplo onde a garotada se juntava para a brincadeira. Tantos os jogos: a bilharda, ao pingo, ao espeta, às escondidas, ao anjo, arrinca cebada, à bola, ao pião, corridas com a roda de ferro (neste verão passava eu pela barraquitas nas festas de Miranda do Douro e não resisti, agarrei na gancheta e na roda e dei uma volta. A minha mulher e as milhas filhas ficaram a ver menino homem que não resiste a ser menino).
Estava eu no largo da Salina, ainda vejo os vizinhos: Senhor Lázaro Cordeiro, tiu António Alcino, tia Parra, viúva, depois foi viver para Úrros com o seu filho, tiu Barandas e a sua mulher, tia Irene Sales, casa com tiu Joio. Lembro-me muito bem da tia Irene. Quando a bola ou a bilharda se chegava à sua porta não nos escorraçaba, metia uma conversinha e tinha sempre palavras carinhosas. O tiu Zé Gordo, o tiu António Barbeiro, o Senhor Napoleão Moura e a sua esposa, professora primária, Dª Gina, muita braba. Chegou a dar tantas baradas na cabeça das alunas que as fez desmaiar. Um pouco mais abaixo a tia Gracinda, casada com o tiu Morais. Um curral onde moraba tiu Zé Achim com a mulher e suas filhas, Clotilde e Adriana. Depois o tiu Fidalgo e mulher e os seus filhos. Outros esqueço mas a memória deles chega-me com a imagem das corridas com os seus filhos, rapazes e raparigas do meu tempo. O largo da Salina fecha a sul com a entrada na rua do castelo. Mandado construir pelo Rei D. Diniz que em visitas a terras de fronteira, o manda edificar para melhor defesa dos ataques Castelhanos. Foi este rei que mudou o nome para Bemposta, antes se chamava Pereinha. 
Dentro do Castelo morava o tiu Celestino Bento e sua esposa, D.ª Aninhas, tantas vezes vi minha mãe cozer o pão no forno. Nesse tempo Bemposta borbulhava de pessoas. Na minha infância a barragem está na força de construção e companheiros de jolda não faltam.
Na rua do castelo morava a tia Lurdes mãe do meu amigo de jolda o Manuel Sales. Também a seu lado morava o tiu Roelo com sua mulher e seus oito ou nove filhos. 
António Cangueiro
Lembro-me de num desses dias de jolda ter saído da salina a correr, sentar-me sossegadinho no escano com imensas dores, mas sem qualquer queixa. Dali a pouco chega a tia Lurdes com o seu Manuel pelo braço a barafustar a mostrar a cabeça do seu Manuel rachada e a sangrar a minha mãe. Nunca me lembro de minha mãe me bater sem ouvir a minha versão das coisas. «anda cá António, diz lá o que se passou». Eu meio a choramingar: puxo a camisola e as marcas de uma dentada estavam bem vivas. A minha mãe: «o seu deu-lhe uma dentada, o meu defendeu-se, deu-lhe uma pedrada. Estão quites.»
Assim se passou mais um dia de jolda. O Manuel com a cabeça rachada, eu com uma dentada.

Sem comentários:

Enviar um comentário