terça-feira, 19 de janeiro de 2016

Eleições, Bragança e Butelos

     OPINIÃO
Não franza o leitor o nariz dada a extravagância titular desta crónica. Apesar da vertiginosa alteridade nas abordagens de temas, permaneço fiel à concepção de nexos entre os conceitos, daí o butelo ser elemento agregador no referente a eleições presidenciais em Bragança, no antecedente quase longínquo e o presente.
O butelo vem ao talhe de foice porque na noite de 13 de Janeiro realizou-se em Lisboa, no restaurante da Dona Justa e do Sr. Nobre, rodopiado jantar promovido pela Câmara de Bragança, integrado no Festival dedicado ao enchido tão bem descrito pelo antropólogo Jorge Dias, associando-o (assim o penso) aos ritos de passagem da Lombada.
No que tange aos butelos já escrevi o suficiente, o Presidente da Confraria do mesmo não admite reticências relativamente ao seu valor gastronómico, a idolatria leva-o enunciar uma vulgata cerceadora da liberdade a quem defendo o seu enquadramento apenas, e só, nem mais, nem menos, no âmbito da cozinha rural, oral, símbolo da argúcia das mulheres daquele território isolado que vai até Burgos. Dois eminentes investigadores registam várias designações do preparado.
Amenamente, pausadamente, procurou o autor desta crónica explicar a Nuno Pires, a «sagração» simbólica do enchido, no entanto, a prevalência da sua mensagem ortodoxa impediu romper a membrana do conceito de «melhor do Mundo» tanto do seu agrado e não só, pois no Nordeste abundam os confrades do chauvinismo localista o que me leva a dizer: ou o Mundo destas pessoas é mínimo tal como o do homem de Argana, ou estão circunscritas ao reino torguiano.
Aproveito o ensejo para anotações de carácter pessoal derivadas do referido repasto, o Professor Adriano Moreira continua rijo, fero e actuante, o Secretário de Estado Jorge Gome lhano e distante da vanidade impregnada pelo poder (muito bem), a deputada Júlia Rodrigues irradia sorriso cativante, falámos da falta de interesse existente no tocante ao aproveitamento da família Távora como centro de indústrias culturais e criativas em Mirandela, o deputado Adão Silva pareceu-me sorumbático, infrene de alacridade o Ezequiel, pletórico de energia o gestor Amílcar Martins, bem-disposto o deputado José Silvano, prestável e amiga a Alexandrina Fernandes, merecia melhor atenção quando apresentou um livro, contida a Secretária de Estado da Justiça, sempre bem informada a Doutora Teresa Marques proporcionou-me jubilosas informações literárias, vigilante e diplomata Hernâni Dias a não esquecer nenhum convidado.
Estamos em campanha eleitoral envolvida numa indolência e quase indiferença atroz, assim não aconteceu na tocante às eleições de 1958. A ligação umbilical pelo enchido radica-se no facto de o mandatário do General Humberto Delgado, ser além de prestimoso funcionário do Banco de Portugal, também proprietário de operativa «cozinha, fábrica, loja, estabelecimento» de tabafeias e restante fumeiro, menos butelos, a laborar no centro da cidade.
Lembro-me, tinha treze anos, de Humberto Delgado na Praça da Sé, mostrava face de malares salientes, olhos esbugalhados, farripas de cabelo coladas ao crânio, sorridente, rodeado de algumas pessoas, debaixo da tutela de Artur Mirandela, muitos polícias e rapazio. Lá estava a observar provocando vivo desagrado ao meu progenitor. À hora do almoço demonstrou-o deixando marcas do mesmo nas minhas mãos, desta forma conseguiu o contrário dos seus propósitos.
Entre a repressão das eleições causadoras de receios profundos aos situacionistas, no dia da realização o exército e aparelho securitário entraram de prevenção (até os figurões ditos oficiais da Legião envergaram a fardeta azeitonada), e o clima de liberdade/livre (obrigado Ramos Rosa) de agora vai incomensurável distância, as 1958 representam a canalhice, o aviltamento, o bafio daa bufaria, as de agora o pleno exercício da cidadania.
O prosaico enchido nos idos de 1958 não fez parte da ementa da refeição servida ao infeliz General, salpicões conservados em azeite, seguramente, nas de 2017, a refeição de exaltamento do Nordeste, o butelo ter sido o seu elemento principal é a demonstração de que todos, mesmo os mais humildes, têm direito a votar, mais, muito mais, a candidatarem-se cidadãos de estranhas formações e fragmentações. Nuno Pires pode estar descansado: o butelo impôs-se, o Nordeste ficou a ganhar!
Não se esqueça: a abstenção beneficia o infractor. Vote.
Armando Fernandes
PS. No próximo 5 de Outubro, o Município de Bragança, os municípios de todo o Nordeste, a propósito da revalidação do feriado FAZIAM BEM se prestassem homenagem aos opositores ao regime salazarento. Só lembro Acácio Mariano e Miranda Braga (comerciante em cujo comércio se podia adquirir a Seara Nova).

Por Armando Fernandes
in:jornalnordeste.com

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