Situado no limite das freguesias de Sendim e Picote em local ermo e sobranceiro à margem direita do Douro, o Eremitério “Os Santos” localiza-se num daqueles locais, tantas vezes escolhidos para a construção de capelas e ermidas, de “deslumbramento paisagístico que favorecem o minucioso, facilitam a possibilidade de hierofanias e podem predispor para o sagrado”.
A ermida é formada por um abrigo, recortado em grande rocha granítica, voltado a nascente/sul. As faces nascente e sul, bem como a face que o cobre, apresentam pintura mural sobre reboco dividida em painéis, onde figuram a Coroação de Nossa Senhora pela Santíssima Trindade, S. Paulo Apóstolo, A conversação entre Santo Antão e S. Paulo Ermita e a Crucificação. Na face sul do abrigo recortado na rocha , a de maior dimensão, está representada a Coroação de Nossa Senhora pela Santíssima Trindade.
Nossa Senhora ao centro, de olhos baixos, em cujo manto são assinalados os detalhes decorativos da fímbria, é ladeada à sua direita por Deus Pai e à sua esquerda pelo Filho. Ambos seguram a Coroa em sinal de imposição. Sobre a coroa emerge, envolta em luz, a pomba do Espírito Santos.
Sob esta cena, e no exacto limite por ela definido, corre uma inscrição a que nos referiremos adiante. À esquerda, em painel distinto, será representado S. Paulo Apóstolo que, em posição 3/4 e espada sobre o ombro esquerdo, contempla a cena da Coroação. Na face nascente, dividida em dois painéis, no espaço vizinho ao painel de S. Paulo Apóstolo figura a iconografia de Santo Antão ou Santo António Abade visitando S. Paulo Eremita/A conversação dos dois eremitas.
Santo Antão apoia-se no tau e segura a campainha, seus atributos, enquanto S. Paulo Eremita levanta o braço direito para segurar o pão que lhe traz o corvo, sublinhando esta acção ao apontá-lo com a mão esquerda. O painel lateral, o mais fragmentado de todos, permite observar o braço de uma cruz, com um braço preso, em diagonal, e uma figura nimbada com manto, indicando uma Crucificação. A figura nimbada representará S. João. Na face da cobertura permanecem vestígios de um céu estrelado O programa iconográfico, tendo embora por tema central a Coroação de Nossa Senhora, indicia a motivação eremítica do abrigo no que respeita à escolha da Conversação dos dois eremitas, uma das cenas do encontro entre os dois Santos.
Cabe ainda notar que a representação da Crucificação, tema máximo do sacrifício de Cristo e da Redenção, deverá relacionar-se iconograficamente com o Fractio Panis, símbolo do Sacrifício da Missa.
Como referimos acima, a cena da Coroação, representado na lapa Os Santos, é acompanhada de uma legenda, igualmente pintada, em caracteres que se reportam ao século XVI, embora possam corresponder a época ligeiramente anterior. Em 1947 Francisco Manuel Alves publicou uma primeira leitura desta inscrição: “Esta obra de Nossa Senhora da / Glória mandou propôr A(ntónio?) E(steves?) Juão. Era em Jesus de 1553. Pinilo”.
Actualmente a inscrição encontra-se mais fragmentada do que na época. A danificação é mais radical no princípio e no fim da inscrição, onde há importantes zonas de descolamento do reboco, que tornam impossível a sua leitura. Apenas logramos ler algo tão fragmentado como: “[ES]TA // OBRA //DE //NOSO // SNRA //SA[…] […]RIA // MÃDOU // [FAZER] //[PEDRO] //[AFONSO].
A degradação da pintura de Os Santos tem-se acentuado tão velozmente nestes últimos anos que o seu registo, estudo, consolidação e conservação se tornam absolutamente indispensáveis.
A excelência do local, a raridade de pintura temática religiosa em abrigo de rocha, bem como a sua importância para o estudo das atitudes devocionais, conferem a Os Santos uma qualidade que não podemos descuidar.
in:descobrirtrasosmontes.pt
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