Igreja Católica nada adiantou sobre quaisquer acções de contestação à cobrança do imposto municipal sobre imóveis (IMI) relativa a património que até agora esteve isento ao abrigo da Concordata.
A Igreja Católica diz não querer “qualquer privilégio” em matéria de impostos, mas exige ser tratada pelo Estado “em conformidade com a lei e o direito”, respeitando as normas da Concordata, adianta a Rádio Renascença, que teve acesso a uma nota informativa divulgada na tarde desta segunda-feira, depois do encontro que reuniu, em Fátima, os vigários-gerais e os ecónomos de várias dioceses, que têm vindo a ser notificadas para pagar o imposto municipal sobre imóveis (IMI). A Igreja diz estar isenta desse pagamento relativamente a património destinado a fins sociais. O Governo garante que as orientações dadas ao fisco não mudaram.
Na nota, os responsáveis não aludem a quaisquer acções de contestação do pagamento que está a ser reivindicado pelo Estado, limitando-se a formular o desejo de, “num espírito de entendimento comum”, verem respeitadas as normas legais relativamente à aplicação do IMI à luz “da natureza das pessoas jurídicas religiosas” e dos fins da Igreja Católica.
A polémica arrasta-se desde meados deste mês, quando o Jornal de Notícias avançou com a informação de que dezenas de paróquias estavam a ser notificadas pelo fisco para pagar o IMI sobre residências paroquiais, salas de catequese e conventos que a Igreja entende estarem isentos do pagamento de impostos. Braga, Aveiro, Bragança, Leiria, Setúbal foram algumas das dioceses notificadas da obrigatoriedade do pagamento. E o jornal apontava ainda o exemplo de casas destinadas a famílias carenciadas, como as 16 casas construídas pelo padre Américo, fundador da Casa do Gaiato, em Penafiel, que poderão ter de pagar IMI pela primeira vez em 66 anos. A proprietária dos imóveis, a Fábrica da Igreja Paroquial de Paço de Sousa, garante que as habitações são cedidas temporariamente e de forma gratuita a quem delas precise, chegando aquela entidade a assumir as despesas da água e da luz nos casos de carência económica mais aguda.
Em causa estão diferentes entendimentos quanto ao que consagra a Concordata, o documento que regulamenta as relações entre o Estado português e a Santa Sé. Reafirmando as explicações dadas ao Diário de Notícias desta segunda-feira, o Ministério das Finanças garante não ter dado qualquer “orientação no sentido de serem retiradas quaisquer isenções previstas na Concordata”. A isenção, refere ao PÚBLICO o ministério, limita-se aos imóveis “directamente afectos a fins religiosos (incluindo as dependências ou anexos daqueles imóveis destinadas a uso de IPSS)”.
No entendimento das Finanças, “a Igreja Católica (ou, mais precisamente, as pessoas jurídicas canónicas), quando também desenvolva actividades com fins diversos dos religiosos, assim considerados pelo direito português, como, entre outros, os de solidariedade social, de educação ou cultura, além dos comerciais e lucrativos, ficam sujeitos ao regime fiscal aplicável à respectiva actividade”.
Aos serviços do fisco cabe identificar e corrigir “quaisquer eventuais isenções que estivessem a ser aplicadas sem apoio legal”, não estando em causa “qualquer alteração à Concordata”.
Na óptica da Igreja, porém, trata-se de “um abuso” do Estado que desrespeita o estipulado no artigo 26.º da Concordata. Acresce que, e como lembraram nos últimos dias o porta-voz da Conferência Episcopal, Manuel Barbosa, e o responsável financeiro do Patriarcado de Lisboa, Álvaro Bizarro, mesmo que assim fosse, “as instituições de solidariedade social estão todas isentas de IMI”.
Num comunicado, o Ministério das Finanças veio esclarecer que nada mudou em relação à aplicação das normas da Concordata e que as orientações da administração tributária continuam a ser as mesmas que se aplicam na sequência do acordo de 2004.
Segundo o ministério, as situações de justificação dos pressupostos para os imóveis estarem isentos “inserem-se na actividade normal de controlo da atribuição de isenções fiscais pela AT”, o que segundo o ministério liderado por Mário Centeno já aconteceu no passado. As que agora surgiram devem “ser resolvidas em conformidade com a interpretação da lei” da liberdade religiosa, da Concordata, do código do IMI e do Estatuto dos Benefícios Fiscais.
Antes, o PSD decidiu pedir explicações ao Governo, argumentando que as necessidades de receita fiscal do Estado têm de respeitar a lei e os tratados internacionais. "Têm de ser dadas explicações sobre por que é que não estava a ser tributado antes e está a ser agora, o que levou a essa alteração de circunstâncias, se, porventura, há uma alteração face àquilo que está acordado na Concordata entre dois Estados", afirmou o deputado social-democrata Duarte Pacheco, citado pela agência Lusa.
Com ironia, o deputado sustenta que "o Governo está a precisar de receitas fiscais". "Essas receitas podem vir de querer tributar o sol, querer tributar a Igreja, querer tributar amanhã o ar que respiramos, mas têm de estar de acordo com a lei e com os tratados internacionais", referiu o parlamentar. Quando lhe perguntaram se considera que a Concordata dá cobertura legal às cobranças agora reivindicadas pelo fisco, o social-democrata limitou-se a responder que "se ela devia ser feita e não estava a ser feita, isso significa que o Estado ao longo dos anos teve um comportamento ilegal".
Natália Faria e Pedro Crisóstomo
Jornal Público
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