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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

terça-feira, 6 de dezembro de 2016

Domingos José Afonso Cordeiro

Doutor em medicina pela Escola Médico-Cirúrgica do Porto. Natural de Meirinhos, concelho de Mogadouro, onde nasceu a 20 de Setembro de 1856; filho de Francisco Xavier Afonso e de D. Maria Angélica Cordeiro. Fez o curso liceal em Braga. Foi subdelegado de saúde, médico do Hospital de Santa Violante em Matosinhos e presidente da câmara deste concelho, onde faleceu a 4 de Janeiro de 1926. Foi também deputado e senador e grande propagandista republicano durante a monarquia, tendo sido o chefe desse partido em Matosinhos.
Escreveu: O sonambolismo provocado – Dissertação inaugural apresentada e defendida na Escola Médico-Cirúrgica do Porto. Porto, Tip. Ocidental, 1882. 8.° de XXX-114 págs. Colaborou em diferentes jornais, dos quais citaremos: Comércio do Porto, O Debate, de Matosinhos, Primeiro de Janeiro, A Águia e Monitor.
Afonso Cordeiro foi um acérrimo propagandista das grandes obras do porto de Leixões (transformação em porto comercial). A essas obras referiu-se, em 3 de Outubro de 1915, num «Aforismo» publicado em O Comércio do Porto, intitulado «A agonia de Leça», o sr. Agostinho de Campos (que assinava com o pseudónimo de Diógenes):
«Agora está sendo assassinada pelos industriaes e negociantes portuenses, emprehendedores e activos, que juraram transformar em docas e caes, em armazens e em vias ferreas – os rios, estuarios, braços de mar, areaes e praias, estradas e ruellas, da linda povoação... Leça, a Morta – Appetece chamar-lhe assim, quando se pensa que a querem transformar n’uma especie de Antuerpia ou de Hamburgo... Á linda borboleta de poesia e sonho vae suceder em breve o empório do commercio e do transito – a pesada
lagarta util e prática».
Sobre as obras do porto de Leixões escreveu Afonso Cordeiro longos e numerosos artigos nas gazetas, aos quais aludiu pitorescamente numa «Carta a Diógenes» em resposta ao artigo de Agostinho de Campos, acima citado,o meu falecido professor e amigo sr. Joaquim Aroso, filho ilustre de Matosinhos. Recordo alguns passos da aludida carta, que ficou inédita:
«Leça não agonisa, transforma-se. Vai desaparecendo a Leça idilica, a Leça arcadica dos inglezes e dos poetas, mas surge uma nova Leça com fabricas e pescarias e grandes docas em perspectiva, que um nosso amigo quer com capacidade para transatlânticos de trinta mil toneladas e vias férreas que a liguem ràpida e directamente com Calcutá e Pekim... Estranho destino o desta terra: dever o seu impulso progressivo menos aos seus próprios filhos do que aos adoptivos. É a um dêstes últimos que eu devo a fé inquebrantável que hoje tenho na conclusão do pôrto de Leixões e na subsequente grandeza de Leça. As circunstâncias em que essa fé me foi inculcada tornaram-na indelével. Foi ha cinco anos, numa tarde de inverno.
Eram quatro horas. A criada acabava de me dizer que a sopa estava na mesa, quando ouvi bater à porta. Era o moço da farmácia visinha que me vinha chamar do mando de X, grande sonhador perante o Eterno. Objectei timidamente que ia jantar. O rapaz retirou-se, mas voltou pouco depois com nova mensagem: – Que era coisa de cinco minutos. Resignei-me, e, sem mudar de calçado, atravessei a rua e entrei na farmácia. Começavam a cair as primeiras gotas e o cariz do ceu ameaçava um tremendo aguaceiro.
X esperava-me com um maço de linguados na mão. Ao vê-los tive o pressentimento dum cataclismo inevitável. – Sente-se aí, ordenou êle imperiosamente, e ouça. Ia-me ler a história do pôrto de Leixões...... E começou a leitura, ao som duma formidável bátega de água, que a breve trecho convertia a estreita rua num ribeiro impetuoso e principiava a inundar a farmácia.
Ao fim de uma hora de leitura, quando o erudito discurso atingia as alturas do jurássico,…… a nossa posição, sentados nas cadeiras, era insustentável: a farmácia já tinha um palmo de água. X poz-se em pé sôbre a cadeira e, impavidum ferient ruinae, continuou a leitura. E eu imitei-o. Ás oito horas da noite tinha chegado ao fim do plioceno – época crítica para o antropoide... Não vinha longe a história do pôrto de Leixões, quando o farmacêutico insinuou que eram dez horas da noite, hora de fechar a farmácia.
X então dobrou os linguados restantes e pediu mais uns minutos para resumir o resto. E no menor número de palavras possivel traçou diante dos meus olhos deslumbrados o quadro grandioso da futura transformação de Leça, graças à conclusão do pôrto de Leixões. Quando terminou, era perto da meia-noite.O farmacêutico fechou as portas. Separamo-nos. E ao entrar em casa, com a barriga a dar horas, eu dizia comigo mesmo, profundamente convicto: – Leça é grande e X é o seu profeta!».
Os artigos que o doutor Cordeiro escreveu sobre o porto de Leixões e publicados em Janeiro, Fevereiro e Março de 1910, no jornal de Matosinhos o Debate, foram coligidos em volume, com uma carta-prefácio do conselheiro Adolfo Loureiro, engenheiro e autor do projecto para a construção do porto comercial.
O opúsculo, de 68 páginas (Porto, Tip. Peninsular de Monteiro & Gonçalves, rua dos Mercadores, foi editado pela Associação Comercial e Industrial de Matosinhos, de que era presidente da direcção José da Fonseca Menéres e intitula-se O porto de Leixões e sua rede ferroviária. Nele se inclui, em folha avulsa, uma gravura representando o «Projecto de melhoramento do porto de abrigo e da construcção de um porto commercial pelo conselheiro Adolpho Loureiro».
Na referida carta-prefácio lê-se: «...... Por esta forma viria o Porto a tornar-se em pouco tempo um verdadeiro emporio commercial. Urgia, portanto, não demorar a realisação d’esse grande melhoramento, que muito desenvolveria a riqueza publica e transformaria completamente essa predestinada localidade de Leça e Mattosinhos, fazendo expandir até ali a cidade do Porto, creando novas industrias, desenvolvendo extraordinariamente outras e tornando-se um centro de grandissima vida e actividade commercial e industrial».
E mais adiante: «É da construcção do novo porto de Leixões, com todos os accessorios e a rêde de vias-ferreas que deve dar-lhe serviço, que muito superiormente tratou nos seus artigos o snr. Dr. Afonso Cordeiro».
O retrato do doutor Cordeiro está em lugar de honra na secretaria do Hospital de Matosinhos, do qual foi grande benemérito. O Comércio de Leixões de 10 de Janeiro de 1926 é consagrado ao prestante cidadão, inserindo o seu retrato, e no número do mesmo jornal relativo ao dia 17 do referido mês vêm reproduzidos os discursos pronunciados por diferentes amigos à beira da sua sepultura. O doutor Afonso Cordeiro foi um grande trasmontano, que muito honrou a nossa terra, a quem segundo refere O Primeiro de Janeiro de 11 de Setembro de 1928, vai ser levantado, por subscrição pública, um monumento.

Memórias Arqueológico-Históricas do Distrito de Bragança

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