O culto dos mortos está ainda presente em muitas tradições natalícias transmontanas. Algumas, especialmente em comunidades rurais do norte do distrito de Vila Real, são suportadas pela crença de que, na noite de Natal, os mortos da família regressam às casas que habitaram em vida para participarem na reunião familiar.
Na simbologia destas tradições têm lugar tanto os vivos como os mortos. Na noite de consoada, sentam-se à mesa os familiares vivos, mas o espírito de todos os familiares mortos vem também compartilhar o repasto. Por isso a mesa não é levantada até à primeira refeição do dia seguinte, porque durante a noite os espíritos estão presentes e pretendem alimentar-se. Bem se sabe que a quantidade de alimentos se manterá a mesma, contudo eles alimentaram-se da essência desses alimentos, presente na espiritualidade que é assegurada pelo rigor da tradição. Daí que, de geração em geração, a tradição mantenha sempre os mesmos rituais e o mesmo género de alimentos: as batatas, a couve tronchuda, o bacalhau, as filhoses, aletria e rabanadas. No dia seguinte, os alimentos que sobram serão aproveitados para nova refeição, conhecida por “roupa velha”.
Na consoada há, por isso, sempre uma evocação dos antepassados. Nas aldeias do Barroso, antes de iniciarem o repasto, é hábito algumas famílias rezarem por cada um dos familiares falecidos, como que a convidar o seu espírito para a refeição. Há memória de famílias que punham uma cadeira vazia à mesa. Nessa cadeira vazia imagina-se o corpo da pessoa cujo espírito estaria ali representado. E as conversas entre todos decorrem como se ele ali estivesse a participar, apontando-se frequentemente para o lugar vazio.
Noutras comunidades transmontanas, também o Diabo tem o seu lugar na tradição do Natal, sendo personificado numa figura sinistra designada por “Velho Chocalheiro, que sai às ruas no dia 26 de dezembro e também no dia 1 de janeiro. O mais conhecido é o “Chocalheiro de Bemposta”. Representa a figura do demónio que, por castigo, após o Natal, anda pelas ruas com os seus chocalhos a balançar no traseiro, pedindo esmola para Nossa Senhora e o Menino Jesus.
Esta tradição apoia-se numa lenda segundo a qual o demónio tentou seduzir Nossa Senhora quando estava “de esperanças”, a aguardar o nascimento do Menino, e, por castigo, foi condenado a pedir esmola para ela e para seu filho. Com os ruidosos chocalhos, para melhor se fazer anunciar à passagem, e apresentando-se numa figura tauromórfica, com duas laranjas espetadas nas pontas dos chifres e uma barbicha de bode, sai para as ruas no dia 26 de dezembro (a pedir para Nossa Senhora) e no dia 1 de janeiro (a pedir para o Menino Jesus). O produto das esmolas é depois leiloado a favor de Nossa Senhora das Neves, que representa a mãe ofendida.
Alexandre Parafita
in:diariodetrasosmontes.com
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