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SOBRE O BLOG: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blog, apenas vinculam os respetivos autores.

terça-feira, 14 de fevereiro de 2017

Nós Transmontanos, Sefarditas e Marranos - MANUEL DA COSTA (N. BRAGANÇA – F. GRANADA)

Manuel da Costa nasceu em Bragança, no primeiro quartel do século XVII, no seio de uma importante família de mercadores cristãos-novos. Cedo começou a viajar por Castela. Por 1635 casou em Torre de Moncorvo com sua parente Isabel da Costa e ali fixou residência. Continuou fazendo viagens de negócios para além da fronteira, e conhecia “todos os lugares grandes de Castela”. A situação alterou-se com a revolução de 1640 e o encerramento das fronteiras, motivado pela guerra entre os dois países.
A guerra, as dificuldades financeiras do governo, a política do rei D. João IV em desfavor da inquisição, fizeram os cristãos-novos assumir o compromisso de uma avultada contribuição monetária destinada sobretudo à compra de barcos para a “carreira do Brasil”. E para repartir esta contribuição foram nomeados, em cada comarca, os chamados “fintadores da bolsa”. Pois na comarca de Torre de Moncorvo, um dos fintadores nomeados foi exatamente o nosso biografado. Isso mostra como ele ocupava um lugar de destaque no seio da comunidade marrana da região. (1)
E no desempenho desta missão criou ele muitos inimigos, alguns deles bem poderosos e influentes. Um deles foi Domingos Lopes Bastos, homem muito rico, que se dizia cristão-velho e se preparava para assumir um cargo na governação. Porém, o nosso “fintador” teve notícia que ele tinha parte de cristão-novo, tal como sua mulher, Helena da Cruz. E então lançou-lhe a “finta” de 70 mil réis. Protestou Domingos, mas acabou por confessar que efetivamente tinha uma costela de judeu e pagaria os 70 mil réis mas às ocultas, debaixo de outro nome pois assim ficaria desacreditado e não entraria para o cargo na governação. Manuel da Costa não foi pelos ajustes…
Problema semelhante arranjou ele com Manuel Lopes, o tio bom, de alcunha, mercador de Viseu que, em Moncorvo morou algum tempo e preparava-se para abalar para Viseu levando uma cavalgadura e fazendas. Dizia-se também cristão-velho, mas o “fintador” tinha informação diferente e não o deixou partir sem pagar o “dinheiro da bolsa”.
Alvarenga e Montes eram nomes de duas das famílias mais nobres de Vila Flor, sem gota de sangue judeu – diziam eles. Vejam como o Costa se lhes refere:
- Disse que Manuel Alvarenga e Gregório Montes, de Vila Flor, são inimigos porque, sendo ele réu um dos fintadores da bolsa e sendo eles fintados para a bolsa, tiveram para si que ele réu os manifestava dizendo terem parte de cristãos-novos e sendo que eram cristãos-velhos, e que ele réu fizera muitas diligências para os descobrir e infamar. 
Prova também da influência e poder económico de Manuel da Costa é o facto de ele ter sido contratador do sabão, substituindo Francisco da Cunha, marido de sua cunhada Beatriz da Costa, (2) quando esta foi presa pela inquisição, em setembro de 1647 e aquele se abalou de Moncorvo.
Acrescentemos que Beatriz acabou condenada à fogueira e que a história da família Costa nas cadeias do santo ofício era já então mais longa que a linha do comboio. E por isso mesmo a mãe, os irmãos e muitos tios e primos de Manuel da Costa tinham fugido para Espanha e quase todos eles viviam em Granada onde tinham o monopólio da distribuição do sal. E quando chegava o “dia grande” do Kipur, a família reunia-se na celebração desta festa, a mais sagrada do calendário judaico. Vejam como ele próprio contou para os inquisidores:
- Disse que há 22 anos a esta parte, até ao levantamento do Reino, do qual tempo para cá deixou de ir a Castela, se achou muitas vezes com a sua mãe e a sua irmã Maria da Costa, agora casada em Granada com Luís da Costa, e com Leonor da Costa, também sua irmã agora casada em Granada com um mancebo de Trancoso, e com seu irmão Diogo Nunes, casado em Antequera com Catarina da Costa e são tratantes e estão ora juntos, ora separados, e faziam juntos o Kipur e outras cerimónias.
Como que respondendo ao apoio dos cristãos-novos ao governo do rei D. João IV, a inquisição lançou uma verdadeira “guerra” contra o rei. E promoveu autênticas campanhas de extermínio da “gente da nação” em algumas terras, nomeadamente em Trás-os-Montes. Foi o caso de Torre de Moncorvo onde, em 1641, o comissário Pedro Saraiva de Vasconcelos, despachava a seguinte informação para o Conselho Geral:
- Lembro a vossas mercês (…) que a Torre de Moncorvo é terra nova em que importa ao serviço de Deus entrar a inquisição, que fez muito fruto entrando em Quintela e Sambade. (3)
No meio do furacão foi também apanhado Manuel da Costa, preso pela inquisição de Coimbra em 14 de Junho de 1651. Foi mesmo acusado de ser o “ escrivão chamador”, ou seja: era ele que convocava os outros para as reuniões em “sinagoga”. Como geralmente acontecia, acabou por confessar-se culpado de judaísmo e que foi sua mãe, logo em pequeno, que o catequizou. Do rol das suas confissões, vamos apenas retirar um excerto narrando uma cerimónia judaica feita em conjunto com o cirurgião Domingos Lopes Bastos, no sítio da quinta do Cuco. É uma narrativa cheia de lirismo e ritualidade judaica. Vejam:
- Haverá dois anos, indo para a Açoreira, em companhia do referido Domingos Lopes Bastos, no caminho que vai pela Senhora da Riba Cavada, entre umas vinhas, por donde corre a água, se apeou e lavou as mãos e os olhos e a boca, e correu a mão pelo rosto abaixo três ou quatro vezes, e rezava baixo, de sorte que não ouvia, com o rosto para o céu, e lhe parece que era mais para o nascente, antes de nascer o sol. E porquanto ele confitente usava também da dita cerimónia por observância da lei de Moisés, por lha ter ensinado sua mãe.
Não sabemos que oração era aquela, mas podia ser a mesma que depois ele próprio ditou para o processo e costumava rezar quando lavava as mãos:
- Bendito tu Adonay nosso Dios y de nuestros padres que nos fizeste e nos creaste e nos santiguaste sobre o lavar de nuestras manos. Amen.
Manuel da Costa saiu condenado em cárcere e hábito penitencial, no auto público da fé celebrado em 14 de Abril de 1652. Podia regressar à terra mas… teria de apresentar-se na missa de domingo vestindo o saco amarelo por cima do fato. E isso era infamante para um homem da sua posição social. Porventura mais difícil de suportar do que a própria cadeia.
Regressou a Torre de Moncorvo mas ninguém o viu com o sambenito vestido. Aliás, teria confidenciado que “mesmo que o queimassem, não havia de trazer o hábito”.
A notícia chegou ao comissário Pedro Saraiva que o mandou chamar e “lhe mandava que cumprisse a dita penitência muito inteiramente, trazendo o hábito por cima das suas vestiduras, de modo que possa ser visto por todas as pessoas”. Manuel da Costa prometeu cumprir a penitência mas…
O pior é que a sua mulher e outros parentes que com ele saíram no mesmo auto condenados em hábito andavam igualmente sem o sambenito. E essa era uma situação intolerável, um ato grave de desobediência e desprezo pelo santo tribunal. Por isso foram todos chamados pelo comissário que os admoestou e avisou das perigosas consequências de tal procedimento. Veja-se o resultado, conforme escreveu o mesmo comissário para a inquisição de Coimbra:
- Tanto que foram admoestados, não apareceram mais nesta vila, sendo público que fugiram para Castela (…) Uma irmã de Manuel da Costa disse, o dia antes que fugissem, que eles se iam para não cumprir a penitência (…) Fugiram desta vila e como não tinham fato, por ter sido confiscado, não foram sentidos, nem tive notícia da sua fugida, para os mandar prender pela justiça secular. (4)
Manuel da Costa e a mulher fugiram para Granada onde tinham vasta parentela trabalhando na distribuição do sal, sendo o seu primo Francisco de Albuquerque, administrador daquele monopólio. Mas foi com Francisco Lopes Pereira, natural de Mogadouro e que com ele partilhou as celas da inquisição de Coimbra, que Manuel da Costa fez uma sociedade comercial, arrematando a venda do tabaco na mesma região.
Foram poucos os anos de vida de Manuel da Costa em Granada pois que, em 1660 já era falecido e o estanco do tabaco andava só por conta de Francisco Lopes Pereira. (5) A sua mulher e o seu filho Don Luís da Costa, então com uns 18 anos, traziam arrendada a venda do sal na região de Vellez.

NOTAS:
1-ANTT, inq. Coimbra, pº 9486, de Manuel da Costa.
2-IDEM, inq. Lisboa, pº 790, de Francisco da Cunha; inq. Coimbra, pº 1952, de Beatriz da Costa.
3-IDEM, pº 5022, de Francisca Vaz.
4-Henrique Dias da Costa e sua mulher Beatriz Marcos foram outros dos que fugiram. Pedro Rodrigues Brandão foi apanhado pelo comissário Saraiva de Vasconcelos que “ o achou fugindo escondido sobre uns telhados (…) e achando-o saindo do dito telhado, disse que para não trazer o hábito se havia de ir para Castela e que todos haviam de fugir e despovoar o Reino”.
5-ANTT, inquisição de Lisboa, processo 2744, de Gaspar Lopes Pereira.

António Júlio Andrade / Maria Fernanda Guimarães
in:jornalnordeste.com

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