Recentes acontecimentos ocorridos nas imediações do espaço urbano de Bragança, que encharcaram a terra com sangue de ovelhas, mortas por cães ditos selvagens, deveriam ser motivo de reflexão séria sobre as distorções que estamos a impor aos equilíbrios que a natureza vai instalando, que não se compadecem com os nossos caprichos.
Há cerca de dez mil anos terá começado a domesticação de animais, de acordo com necessidades e propensões dos grupos humanos, na transição do Paleolítico Superior para o Neolítico, quando da mudança da condição de caçadores recolectores para produtores sedentários.
É geralmente reconhecido que o cão foi um dos primeiros mamíferos procurado e adestrado para auxiliar na caça, na vigilância, mesmo na segurança das comunidades, o que lhe reservou um lugar especial entre os animais que têm sido decisivos na evolução económica e social da humanidade.
Também o gato se adaptou a conveniências próprias e dos humanos, com vantagens mútuas, atingindo um patamar invejável, com direito a lugar de honra nas lareiras e acesso especial às casas, as famosas gateiras. A rataria, portadora de incómodos e pestes, assim o exigia.
Mas, não foram somente estas duas espécies que acompanharam os humanos nestes milénios. Várias raças de bovinos, ovinos, caprinos, equinos, asininos, suínos e diversas aves foram afeiçoadas à gestão doméstica, permitindo sucessos notáveis na alimentação, na força de trabalho, na guerra, no transporte de mercadorias, conduzindo à prosperidade das sociedades humanas.
A relação com estes animais, mas também com os que se mantiveram na condição natural, tem sido marcada pela noção de que se houver desequilíbrios todos correremos sérios riscos.
No entanto, nas últimas décadas, temos vindo a assistir a um processo de afastamento da natureza, que resulta num enviesamento estranho: desprezando a condição animal, alguns pretendem redimir-se com a escolha de duas ou três espécies para desempenhar o papel do que chamam criaturas de companhia.
Tal ilusão foi consagrada na letra da lei, confundindo animais com pessoas e legitimando comportamentos que raiam o absurdo. Encher as zonas habitacionais de apartamentos com cães e gatos, não garante aos animais condições de vida dignas e pode tornar-se num grave problema para as pessoas.
Se conviver com animais afinal implica esterilizá-los, castrá-los e enchê-los de rações artificiais, não estamos a promover uma relação natural. Por outro lado, mais dia menos dia, não admira que se instale uma epidemia tão mortífera como foi a famosa peste negra do século XIV, provocada por parasitas que iam saltando de rato em gato, em cão e assim sucessivamente, até que foi arrasado um terço da humanidade então conhecida.
Voltando aos casos dos ataques selváticos, é curioso verificar que ninguém se mobilizou por causa da quase centena de ovelhas “assassinadas” mas não faltarão alguns disponíveis para lançar petições para que nada aconteça aos cães. Sabe-se lá se não serão recuperáveis para animar algum apartamento. Que os deuses nos ajudem.
Teófilo Vaz
in:jornalnordeste.com
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