terça-feira, 6 de fevereiro de 2018

Tua à espera dos comboios

Na região do Tua, o comboio sempre passou ali, aos pés das aldeia. Há anos que os habitantes anseiam pelo seu regresso. Um regresso que vem sendo adiado consecutivamente há meses.
Depois de o Plano de Mobilidade do Tua, apontado para começar no verão passado, ter tido um início falhado, agora a data prevista para o arranque definitivo do projeto é o próximo mês de março.

A responsabilidade de manutenção da linha e o seu custo durante o período de concessão de 25 anos continuam a ser o impasse maior para que o projeto arranque.

A Agência de Desenvolvimento do Vale do Tua e o operador turístico estão, ainda assim, confiantes de que depois dos testes previstos para o dia 19 deste mês (quando o novo comboio será colocado na linha), o processo não tenha retorno.

Mas no interior de Trás-os-Montes já há gente que não acredita que a linha do Tua volte a ter vida - nem como um nem com dois comboios.

"Eu nem acredito num nem no outro. Já era em junho e já estamos noutro ano e ainda nada". O desabafo é de Manuela Laje, habitante de Abreiro. Bem mais confiante está Maria da Glória: "Faz falta para tudo. Há muita gente de idade que não tem meios de transporte e precisa. Eu acho que vem".

O comboio sempre passou ali, aos pés da aldeia. Há anos que anseiam o seu regresso. O tema tem sido conversa diária, principalmente no café Via Rio, à entrada de Abreiro.

Ermelinda Amorim diz que era muito importante o regresso transporte ferroviário e tem esperança que chegue. "Até para trazer mais pessoas para a nossa aldeia e para as aldeias das redondezas", aponta.

João Pinheiro, de 26 anos, dono do café, é uma das poucas exceções de gente nova que quis ficar e fazer vida no interior. Espera agora que os turistas subam o Tua: "A nível de turistas, traz muita gente. Acredito que venha".

Mas cada dia que passa é um a menos para região. As aldeias vão ficando sem gente e a gente que ainda resiste sonha com um futuro semelhante a um passado recente.

António Santos já leva 82 anos de vida. O comboio foi o seu parceiro de infância e juventude. Vive na aldeia do Vieiro. "Passava às 8h00, às 9h00, às 15h00 e às 17h00. Tínhamos o passe, mas pouco valeu apena porque ficámos logo sem comboio. Faz-nos muita falta para ir a Mirandela, às consultas, ou a Bragança. Agora não temos nada".

E, para já, é isso. "Não se passa nada", diz Mário Ferreira, o operador turístico do projeto de Mobilidade do Tua. Não passa, mas tem fé que, depois dos teste de dia 19, o comboio nunca mais pare. "Os testes durarão cerca de duas semanas e esperaremos que, a partir daí, o comboio volte a apitar na linha do Tua, sem parar".

Mário Ferreira esteve na última sexta-feira em Mirandela, onde estão paradas quatro carruagens (três para passageiros e uma de bar, mais a locomotiva). Tudo "novinho em folha". Fala em prejuízos. "Muitos prejuízos. Tivemos um financiamento da EDP para este comboio e para a embarcação, mas nós fizemos mais investimentos e avultados. Tínhamos previsto contratar mais gente, mas com este impasse não contratámos. É uma pena ver este produto turístico inovador apara esta região, parado."

O operador turístico já tinha dito no último verão que previa, apenas em meio ano, trazer ao vele do Tua mais de 100 mil turistas. Gente é o que a região mais precisa, acrescenta, "não só porque neste eixo será uma novidade mas também porque poderá ajudar a desenvolver a indústria local".

E se está tudo preparado para começar, o que falta? "Falta saber a figura do gestor da infraestrutura e quem vai pagar", diz Fernando Barros, que também afirma já existir avanços. "As Infraestruturas de Portugal já assumiram a responsabilidade da manutenção das obras de arte da via".

O presidente da Agência de Desenvolvimento do Vale do Tua diz que depois de todos os avanços das reuniões, com todos os intervenientes no processo, o único impasse é mesmo o dinheiro para a manutenção da linha, porque a própria agência também já assumiu a gestão da mesma durante os 25 anos de concessão.

Quem tem essa responsabilidade "é o Estado", aponta, acrescentando "que as câmaras (Agência de Desenvolvimento) podem ser gestoras da infraestrutura desde que haja dinheiro para o efeito".

Mesmo com essa questão por decidir, Fernando Barros acredita que dentro de um ou dois meses tudo esteja sobre carris. "Sou um homem otimista e gostava de finalizar o meu mandato, que já vai em dois anos, com tudo a funcionar. Era uma boa prenda".

É também por alturas da Páscoa que Mário Ferreira espera ter tudo a funcionar. "A partir da Páscoa poderão já ser feitas reservas para esta bela carruagem".

O plano de mobilidade contempla, para lá de transporte de autocarros do Tua até à barragem, um barco até à localidade da Brunheda e, a partir da aldeia do concelho de Carrazeda de Ansiães até Mirandela, dois comboios (um turístico e outro para a mobilidade quotidiana).

Coincidência ou não, a Páscoa calha, este ano, no dia 1 de abril.

Afonso de Sousa
TSF

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