Por: António Orlando dos Santos (Bombadas)
(colaborador do "Memórias...e outras coisas...")
A safra das vindimas era trabalhosa e havia uma quantidade razoável de tabernas ou melhor dizendo, vendas de vinho de colheita que apenas abriam para vender os excedentes que o dono do vinho achava serem extras ao cálculo de consumo privado previsto para o futuro próximo que seria até à próxima colheita.
Assim tínhamos as tabernas do Olho do Cú, na Estacada, creio que para escoar o excedente da Quinta da Trajinha. O Malaguetas. Além do Rio, o África, na Alexandre Herculano, quase só vinho branco. O Domingos Lopes, na Rua da República. O Necho na Rua dos Fornos, no Sapato havia uma mas não me recorda o nome do dono que creio ser Porfírio e o Má Cara na Caleja.
Estas são as que recordo neste momento em que escrevo não significando isto que mais tarde não apareçam mais. Vendiam ao copo e à garrafa e de "comes" normalmente só havia, sardinhas de conserva com cebola e coisas simples que não eram de monta, pois a intenção era escoar o vinho rapidamente.
O Outono em Bragança era como diziam na Igreja "Tempo Comum" que até ao Advento apenas tinha pelo meio um destaque que se chamava São Martinho. Considero este período do Outono, o mais influenciador das relações amorosas e de paixonetas características da juventude que aproveitava o recomeço das aulas para deitar o anzol aos amores que como os peixes de quando em quando mordem o isco. Quando mordiam era sinal que ficavam os amores presos pelo beicinho, mas vezes havia que como soe dizer-se comiam o isco e cagavam no anzol. O vernáculo uso-o aqui excepcionalmente pois outro vocábulo que usasse seria não bater a bota com a perdigota.
A vida fluía numa constante de maturação para os que como eu estavam a crescer e a fazerem-se adultos. Os cafés, as barbearias, os sotos de sapateiros e alfaiates e até algumas lojas comerciais eram palco de conversas e de debates dos mais variados assuntos que passavam mais por um desejo latente e persistente de mudança do que do esclarecimento das mentes pois o que era o Status quo da maioria desmobilizava a gente de participação proveitosa no debate público. Tenho de confessar que na minha forma linear de ver a coisas a Rádio havia feito um trabalho meritório do ponto de vista da optimização da capacidade de fluência comunicacional e as Bibliotecas Itinerantes da Gulbenkian foram uma ferramenta eficaz contra um certo obscurantismo atávico das mentes brigantinas.
Não esqueçamos que Bragança foi o distrito nacional que mais gente deu para a fogueira e cárceres da Inquisição o que não só aos cristãos novos causou medos duradouros que instintivamente os que não caíram nas acusações escolheram passarem por ignorantes do que caírem sob a alçada daquela seita criminosa e sem temor a Deus, a quem só interessava tomar para si o património dos acusados nunca acreditando poderem vir a serem castigados quando Deus os chamasse a capítulo ou se apiedasse dos fracos e sem pau nem pedra castigasse os fortes.
São Martinho /castanhas e vinho/Vinho novo consolo do povo/Dá Saúde este rico vinho/Bebe-se um almude /Por ti São Martinho/Nesta quadra se explicava toda a filosofia subjacente à comemoração da data de tão popular santo que a esmagadora maioria desconhecia ser de Reims e haver partilhado a sua capa com um pobre que no seu caminho se lhe deparou.
Grandiosas pielas os valentes dos flagrantes de litros sublimaram com o esforço do sistema digestivo em labor forçado só porque era tradição fazê-lo nesse dia e em louvor da estupidez grassante. Era só um dia e passava depressa!
Aproximava-se a quadra natalícia No tempo do Advento a alegria espalhava-se na Alma do povo. Na Igreja preparava-se a Festa do Nascimento do Messias. Uma história que os Evangelistas relatam mas para a qual não forneceram data. Convencionou-se que fosse o dia 25 de Dezembro e durante quase dois mil anos nunca se questionou esta datação que foi combinada em Concílio. O Natal fez a proeza de se tornar um tempo de amor ao próximo como o Messias ensinou e foi capaz de ser brilhante pela aceitação de um mandamento da Antiga Aliança que ordenava: -Amarás ao teu Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a ti mesmo. Belas palavras que os Natais que foram passando através dos séculos ajudarem a sedimentar na tradição dos povos e na prática da Caridade que Jesus tanto mandou praticar.
No tempo de São Francisco de Assis começaram a fazer-se os primeiros Presépios que porque o povo amando este santo fez questão de copiar. Séculos passados no tempo do vigésimo e passada que era a primeira metade havia em Bragança uma tradição que as crianças adoravam e os adultos praticavam; fazerem o Presépio para com figuras feitas com as mãos do povo se pudesse representar o Milagre acontecido e memorado por mais de dois milénios, numa gruta ou cabana na Filistina mais propriamente em Belém quando uma jovem mulher dá à luz o Messias que os profetas do seu Deus haviam anunciado!
Na Sé em Bragança caprichava-se para que o cenário montado fosse explícito suficientemente para que assim pudesse surtir efeito nas criaturas e as influenciasse a seguirem o exemplo daquele que viu a luz nas condições mais humildes da escala de valores da sociedade do seu tempo e ainda da que nos anos cinquenta do século vinte poderia ser comparada em milhentos lugares de Trás -os -Montes. E por isso eu amava aquele presépio que se fazia na Sé e que o olhar da criança que era eu parecia a palavra do Salvador materializada. Que lindo o presépio era.
Hoje com a idade já longa continua a ser uma, senão a mais bela recordação da minha infância.
E com o Presépio e o Natal acabava o Ano e eu fazia -me Homem.
Bragança 31 de Agosto de 2018, no dia em que se cumprem sessenta e nove anos que minha mãe numa casa da Caleja do Forte deu à luz um menino que ela nomeou como António Orlando dos Santos, e do pai tomou a alcunha de Bombadas!
A. O. dos Santos
(Bombadas)
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