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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

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COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

quarta-feira, 5 de setembro de 2018

Em defesa da Caleja e sua gente

Por: António Orlando dos Santos (Bombadas)
(colaborador do "Memórias...e outras coisas...")

A isto não posso deixar de dar a minha opinião!  Ao mesmo tempo que sinto que posso estar a abusar da minha participação nestes fóruns e ser mal interpretado por alguns que me conheceram como tipo de “low profile” e me vêem agora tão “saído da casca” a este repto não me posso esquivar porque me toca bem fundo do sentimento. 

Será demais dizer que depois da minha mãe esta rua foi aquilo que eu mais amei? Será! Uma rua, dirão alguns, não se ama. Talvez. Mas, digo eu, amam-se as pessoas que lá moram, que lá nasceram e que através da vivência diária, aprenderam a ser gente e eu ainda amo essa gente! Amo-a quando contato com os que ainda vivem para ver nos seus olhos a alegria expressa instintivamente e que observo quando o acaso nos faz encontrarmo-nos. 
Amo-a também no seu coletivo quando a recordação me invade e os recordo das passagens felizes e também nas dramáticas que vivemos em conjunto com o mesmo sentimento de resignação pelo que o destino nos reservou de amargo ou doce. 
Mas é tempo de avançar e questionar a minha amiga Madalena se ainda agora acha que escolheu a melhor forma de designar as nossas amigas da Caleja que viviam da venda do seu corpo? Conheço-a bem para saber que ela foi condicionada pelos velhos padrões de classificação social. Isto não significa que eu ache que esta é vida que sirva os ideais nascentes com a chamada emancipação da mulher.
Não servia anteriormente pois todas aquelas que se puderem libertar sendo resgatadas desta ou daquela maneira do estigma que a sociedade hipócrita e cruel lhes havia colado na fronte, o fizeram. 
Eu nasci ali e vivi a cruzar-me com elas que nos repreendiam quando dizíamos palavrão e nos davam conselhos da maior sensatez quando a ocasião se apresentava. Nunca se tentou saber e obstar ao que as levou aí. 
No entanto nós vimos ali as moças mais airosas e espirituosas que sem preconceitos falavam e riam com crianças e adultos da forma mais educada que os padrões morais acolheriam dentro do seu quadro moral facilmente…. Agora é tempo de pensarmos como as vidas das pessoas pode ser alterada para melhor ou pior por decisões tomadas nesciamente ou por outras tomada com sensatez e coragem para seguir a estrada da dignidade e da honra. 
Cruzaram-se ali vidas diferentes e os ditos honestos influenciaram as ditas desonestas e o contrário também é verdade. A sua atividade, delas, era legal perante a lei, limitavam-se ao seu cumprimento, se a sociedade as condenava pela conduta, também ninguém fazia algo para obstar à continuação da atividade.
Finalmente a lei da proibição foi publicada e subitamente todas elas desapareceram, algumas por velhice, outras as mais novas, resgatadas por homens que mesmo assim as amavam, outras porque lúcidas mudaram o rumo e de cara levantada caminharam ao encontro da honra que lhes tinha virado o rosto na roda feérica da juventude. 
Fechou-se assim um capítulo longo da história de um pedaço da humanidade.
Também eu volto a página para falarmos dos outros da Caleja.
Quem tinha nas fileiras uma família que como os Reis, Garrido, Barradas, Lopes, Fonseca, Guicho, Pereira e muitas outras de alto gabarito na sua condição de operários de obra limpa, não se podia considerar pequenino. Ali a vida fervilhava, as dores eram repartidas e as alegrias compartilhadas. Era assim a minha gente! Quem como nós podia gabar-se de ter um elemento como o Sr Carreta que tinha uma alma grande como o mundo onde o lugar das crianças era na primeira fila? Uma tia Mónica que era sábia nas coisas da natureza, que apanhou “chichorros” toda a vida e nunca se enganou. Dizia ela nos serões de inverno que havia lutado com o Belzebú em cima da Ponte Nova do Sabor! Venceu ela, claro! Uma tia Lamega que tirava o casquilho às lâmpadas, punha-lhe um laço, metia-lhe água e colocava-lhe as flores mais lindas do mundo!
Tudo gente simples mas, gente de verdade que deu à Pátria soldados, professores, técnicos qualificados e simples operários que fizeram casas, sapatos, fatos e becas para juízes e advogados, pintaram carros, repararam motores e amaram. Sim, amaram porque a evidência era facilmente percebida, pois tinham quase todos uma catrefada de filhos que criaram e educaram com o maior amor do mundo. 
Dei-vos um resumo sumário da gente da minha rua. Como havia eu de não a amar? Mas nem toda esta grandeza a salvou do camartelo. Um dia veio a Torralta acolitada pela Câmara Municipal e deram cabo de tudo. Não quero hoje falar disso, o texto vai longo e apenas vos digo que o que fizeram à minha rua foi um exercício de poder prepotente. Não porque se tenha pensado em dotar a cidade de uma infraestrutura que potenciaria a vinda de turistas a este recanto onde nem os seus Duques pararam, mas porque depois de anos e anos de construção suspendida e retomada não tiveram a capacidade de zelarem pelos interesses da cidade, já não só da Caleja e deixaram que a Torralta iniciasse a atividade e a mantivesse sem cumprir com a lei e o caderno de encargos, tendo deixado o escarro que hoje é tudo o que sobrou do descalabro que os nossos iluminados autarcas do tempo permitiram. 
Foi assim como um castigo infringido à rua por ter albergado a desonra praticada às claras, não vendo que outras desonras havia escondidas nas alcovas de quem se dizia honrado. Falta dizer aqueles que têm feito alguns comentários mais jocosos ao Carlinhos da Sé que não é porque se atribuem certos actos a um determinado personagem que acto é verdadeiro.
O senhor que pede ao outro que conte a história do clister não vê que nem este espaço é próprio para tal nem se coíbe de insultar um simples que era também uma criatura de Deus. Escrevi um texto em tempos que analisando a vida do Carlinhos tentava repor a verdade. Nunca o publiquei mas, creio que talvez fosse pedagógico fazê-lo. 
Por hoje recolho a minha pena e peço desculpa às mentes mais honradas se as sobressaltei com esta insinuação de que nos cânones há um acto-de-contrição para nos fazer refletir e arrepender. 




A.O. dos Santos
(Bombadas da Caleja)

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