quinta-feira, 1 de novembro de 2018

Batalhão 111, 1.ª Companhia de Caçadores Paraquedistas

Por: António Orlando dos Santos 
(colaborador do "Memórias...e outras coisas...")
Ano de 1972; Comandante de Companhia: Tenente Cavaco; Sargento de dia à Companhia: 1.º Sarg. Alberto de Sousa; Cabo de dia à Companhia: 1.º Cabo Santos, 490/70.
Cerca das 09:30 da manhã de um dia solarengo no Ribatejo, talvez em tempo de primavera, havíamos entrado de serviço à Companhia eu e o primeiro Alberto de Sousa.
A limpeza da camarata era já pronta e começávamos a entrar no período de rotina de mais um dia de serviço que normalmente eram de pouco rebuliço. 
O pessoal da guarda ao Regimento tinha largado depois de render da Guarda e praticamente todos haviam feito a barba e terminavam o duche. A rotina começava a tomar conta da Companhia, 1.ª CCP, e não era previsível que o dia se tornasse em mais um dia de Tenente Cavaco. Durante os três anos de serviço militar lembro apenas de dois tenentes/s.g./páras que foram meus Comandantes de Companhia, os tenentes Cavaco e Apeles. Todos os outros eram Capitães do Quadro e pertenciam originariamente a uma Arma que era explícita quando assinavam documentos oficiais, e.g. Cap/Art./Pára, Cap/Inf./Pára, etc. etc.
É sempre subjetiva a apreciação que os subordinados fazem aos seus superiores hierárquicos. Ninguém, que eu tenha conhecido, tinha em grande conta e prestígio o nosso tenente Cavaco como militar e líder de tropas de campanha. O contrário também era certo no que respeitava à sua classe como exclusivamente para-quedista e saltador em queda livre. Aí não deixava os seus créditos em mãos alheias. Era mesmo bom! Tinha sido nosso vice-Diretor no IC1/71, sendo o Capitão Mário Pinto o Diretor. Era assim como se houvesse sempre Sol e Lua simultaneamente. 
O Cap. Mário Pinto, que era homem espadaúdo e de estatura média, era, pode dizer-se, um cavalheiro, sendo que o nosso Ten. Cavaco era um rústico, incapaz de debitar um discurso que não fosse um chorrilho de palavrões. Como era dos primeiros Para-quedistas, creio que do tempo de Alcantarilha, era-lhe devido um respeito que nas tropas Para-quedistas era sagrado. Aí não se tocava. Mas a opinião geral era de que ele era um rústico e que, em questões de intelecto, estava como quando saiu da pedreira o granito em que o soldado Quintino esculpiu o para-quedista que estava à esquerda de quem entrava na 1.ª de Caçadores.
Eram então cerca das 09:30, estava eu colocando as listas para os saltos do dia seguinte quando entre no hall da Companhia o nosso Tenente Cavaco. 
Saudei-o com continência a que ele respondeu com reciprocidade. 
Havia no centro do hall um vaso grande de flores. Como houvesse algum tempo já que não era limpo, as folhas tinham um tom com laivos de amarelado, devido à poeira que na 1.ª de Caçadores, por estar perto do campo de futebol, era mais intensa. Falta-me dizer que a planta era de plástico e daí alguma negligencia na sua manutenção. 
Quando se dirigia para o seu gabinete, que era em frente à porta de entrada e ao lado da porta da secretaria, reparou na planta. Parou, olhou de frente uns segundos e disse-me: “ - Cabo, manda o plantão regar essa planta que está a morrer sedenta.” Não teve dúvida em se dirigir a mim pois eu usava a braçadeira amarela de Cabo de dia à Companhia. Rapidamente entrou no gabinete e fechou a porta. Eu fui apanhado de surpresa e ainda balbuciei um “ Mas é de plástico...” Não obtive resposta. Estava eu indeciso entre não fazer nada ou chamar o plantão que reagiria perante mim como o fizera eu com o Tenente e entra o 1.º Alberto de Sousa. 
Disse-lhe o que se passava. Fez cara feia e respondeu: “ Aguarda que eu falo com o 1.º Rosa.” O 1.º Rosa era o 1.º da Companhia. Resposta do 1.º da Companhia: “ Bate à porta e fala com ele.” Assim fez o 1.º Alberto  de Sousa. Foi autorizado a entrar e calmamente explicou a situação. O Ten. Cavaco ouviu e respondeu: “ Ordens cumprem-se primeiro e discutem-se depois em sede própria. Mandem regar a planta!” 
Saiu o 1.º com a mão esquerda em cima da pistola que trazia à cintura, o que nele era sinónimo de que havia chatice. Em voz baixa disse-me: “ Este gajo é maluco. Ponto final”. Maluco ou não chamei o plantão que acho era o Very Light Duarte e regou a planta, aproveitando-se a ocasião para limpar as folhas com um pano húmido, tendo a dita ficado com um aspeto maravilhosamente verde de fazer inveja à minha e à boina do Tenente. Cerca do meio dia, saiu do gabinete o nosso Tenente. Parou, inspecionou a planta e disse-me: “ A planta é de plástico, portanto, se a água não lhe faz bem, também não lhe faz mal e parece-me que até está mais viçosa.” Não respondi, chegou para mim o Tenente Cavaco.
Já de outra ocasião, no curso de Combate com o Curso à sua frente e chovendo pedras de moinho sem buraco do alto do palanquim no campo de Instrução, deu-nos uma roda de beduínos que durou uma eternidade. Quando terminou, quase ao toque de ordem, fomos para o chuveiro e a roupa foi para a lavadeira! Havia gente não beduína a bater o dente e com os pés dormentes. 
Tudo porque uns Páras checos armaram sarrabulho no Hotel Florida ao cimo da Avenida da Liberdade e foi preciso vir a Ronda de Monsanto para os apartar. Depois, sempre que estava de cabo de dia mandava limpar as folhas para não regar a planta.
Era um castiço o nosso Tenente Cavaco.





Gaia, 01/08/2018
1.º Cabo/Pára 490/70, A.O. dos Santos 
(Bombadas)

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