quinta-feira, 1 de novembro de 2018

Bragança, o município que quer uma compensação financeira por ter elevada Biocapacidade

Pegada Ecológica do concelho corresponde a 0,3% da pegada de Portugal, mas a Biocapacidade é 0,7% do total nacional, havendo assim um saldo positivo, revelam os resultados do projeto “Pegada Ecológica dos Municípios Portugueses”, que é pioneiro a nível mundial

Parque Natural de Montesinho, no concelho de Bragança - LUCILIA MONTEIRO

O concelho de Bragança quer ser compensado em termos financeiros por ter uma grande Biocapacidade, que está 110% acima da média nacional, revelam os resultados do projeto “Pegada Ecológica dos Municípios Portugueses”, a que o Expresso teve acesso.

O projeto é inédito a nível mundial, porque pela primeira vez mede a Pegada Ecológica e a Biocapacidade à escala do município. Para já envolveu seis concelhos do Continente: Almada, Lagoa, Bragança, Guimarães, Vila Nova de Gaia e Castelo Branco. Mas numa segunda fase o objetivo é estender o projeto a todos os municípios portugueses.

A iniciativa é liderada pela associação ambientalista ZERO e envolve também a Universidade de Aveiro e a Global Footprint Network (GFN), organização que trabalha junto da ONU e é responsável mundial pelo conceito de Pegada Ecológica e da sua métrica. Os resultados para o município de Bragança foram apresentados ao público ontem, domingo, no Auditório Paulo Quintela,nesta cidade transmontana.

INFLUENCIAR AS POLÍTICAS PÚBLICAS
O presidente da Câmara Municipal de Bragança afirma ao Expresso que “medir a Biocapacidade do concelho é um contributo positivo para influenciar as políticas públicas, de modo a garantir que os seus recursos naturais continuam a ser preservados”. Em consequência, “o município de Bragança deve ser compensado” pelo Governo em termos financeiros.

Hernâni Dias, presidente da Câmara de Bragança:"o município deve ser compensado, de modo a garantir que os seus recursos naturais continuam a ser preservados” - RUI DUARTE SILVA

Hernâni Dias dá um exemplo: “a nossa área florestal não arde na época de fogos, porque tem espécies resistentes ao fogo como o carvalho e porque a Câmara tem feito trabalhos de limpeza de caminhos e aceiros, bem como ações de fiscalização e controlo”. Por isso “é necessário que estes territórios sejam compensados, pelo contributo que damos à Biocapacidade de todo o país”, considera o autarca.


No relatório feito pela GFN sobre Bragança, os números obtidos para 2016 justificam esta argumentação: enquanto a Pegada Ecológica do concelho corresponde a 0,3% da pegada de Portugal, a Biocapacidade é 0,7% do total nacional, havendo assim um saldo positivo. A Pegada Ecológica mede o uso da terra cultivada, florestas, pastagens e áreas de pesca para fornecer recursos e absorver resíduos em cada município. A Biocapacidade mede a área biologicamente produtiva disponível para regenerar esses recursos naturais.

BIOCAPACIDADE 110% ACIMA DA MÉDIA NACIONAL
A Pegada Ecológica de Bragança é de 4,01 hectares globais por habitante, sendo 2% acima da média nacional e 8% acima da média da região Terras de Trás-os-Montes, que abrange nove municípios, organizados numa Comunidade Intermunicipal (CIM) com o mesmo nome. Quanto à Biocapacidade, é de 2,68 hectares globais por habitante, cerca de 110% acima da média nacional.

O saldo entre os dois indicadores é negativo (-1,33 hectares), o que “demonstra os desafios locais para inverter lógicas de consumo prejudiciais ao ambiente”, refere um comunicado da ZERO sobre os resultados apurados para Bragança. Com efeito, “seriam necessários 2,4 planetas Terra se toda a população mundial vivesse como um cidadão de Bragança”, continua o comunicado. E o chamado Dia da Sobrecarga da Terra em 2016 aconteceria a 30 de maio. Este dia marca a data em que a população mundial passa a usar mais recursos da Natureza do que esta pode renovar em todo o ano, simbolizando, assim, o dia em que começa o défice ecológico desse ano.

A alimentação, tal como os dados apurados para os concelhos de Almada e Lagoa, representa a maior componente da Pegada Ecológica dos residentes de Bragança, com 32%, seguida dos transportes, com 20%. E o consumo de carne (28%) e de peixe (26%) é a principal causa da elevada pegada da alimentação – 54% do total.


Bragança tem uma Pegada Ecológica elevada, quando comparada com a de outros territórios, mas também tem uma grande Biocapacidade - LUCILIA MONTEIRO

“Temos uma Pegada Ecológica consideravelmente grande, quando comparada com a de outros territórios”, reconhece Hernâni Dias. “Mas também é verdade que temos uma grande Biocapacidade”. O autarca entende como “muito positiva a exposição pública a que Bragança é sujeita com este projeto, porque ficamos a conhecer melhor a realidade ambiental do concelho, o que estamos a fazer e quais são os resultados concretos das nossas políticas ambientais, porque desde há muito tempo que aplicamos uma estratégia nesta área”.

AUTOCARROS E BICICLETAS ELÉTRICAS
Assim, nos transportes a Câmara tem cinco viaturas elétricas ao seu serviço e vai comprar dois autocarros elétricos para adicionar à sua frota de 24 autocarros para as carreiras urbanas e rurais. Neste setor foi também criado um novo sistema de bilhética e um sistema de informação ao minuto sobre os horários nos abrigos das paragens de autocarro, com energia fornecida por painéis solares fotovoltaicos.

Ainda na mobilidade, mas nas bicicletas, há um sistema de “bike sharing” desde 2014 que conta atualmente com 40 bicicletas elétricas, mais 100 bicicletas (algumas elétricas) para uso dos alunos do Instituto Politécnico de Bragança, no âmbito do Programa UBike. E em breve vai começar a construção de 20 km de ciclovias através do Programa de Ação e Mobilidade Urbana Sustentável (PAMUS).

POUPANÇA DE €1 MILHÃO POR ANO EM ENERGIA
Na energia, o município tem várias centrais de produção hídrica montadas no sistema de abastecimento de água, que já chegaram a produzir energia no valor de um milhão de euros por ano. Há 2000 m2 de painéis solares fotovoltaicos em edifícios públicos e nas piscinas municipais, bem como painéis solares térmicos para aquecimento nos bairros sociais e escolas do concelho. No parque de ciência e tecnologia Brigantia EcoPark está instalado um sistema de geotermia com 40 furos que permite aumentar a temperatura do edifício em seis graus no inverno e diminuir em seis graus no verão.

No parque de ciência e tecnologia Brigantia EcoPark existe um sistema de geotermia que permite aumentar a temperatura ambiente no inverno e diminuir no verão - RUI DUARTE SILVA

E estão instaladas ou em vias de instalação mais de 2400 luminárias LED na iluminação pública e em edifícios públicos que já permitiram poupar 65 mil euros em energia por ano. Na nova circular interior da cidade de Bragança em construção vão ser também instaladas luminárias autónomas, com painéis solares fotovoltaicos.

Mas que medidas estão a ser tomadas para reduzir a elevada pegada da alimentação? “Só a partir de março de 2019, na segunda fase do projeto, com a instalação de calculadoras online nos sites dos seis municípios envolvidos, de modo a que cada residente calcule a sua própria Pegada Ecológica, é que poderemos começar a fazer um trabalho eficaz de sensibilização das escolas e dos cidadãos”, adianta Hernâni Dias. “Porque só a partir daqui as pessoas vão tomar consciência do que estão a fazer com o seu modo de vida. E a calculadora online será um instrumento de política municipal muito importante para permitir alterações no comportamento dos consumidores no concelho de Bragança”.

Virgílio Azevedo
Redator Principal
Expresso

Jornalista da secção de Sociedade desde 2007. Licenciado em Economia pelo ISEG (Universidade de Lisboa), iniciou a carreira no Expresso em 1982, tendo sido editor das secções de Economia (durante 14 anos) e Europa (durante 4 anos). Coautor do livro "Nuclear: o debate sobre o novo modelo energético em Portugal" (2006, Centro Atlântico).

Sem comentários:

Enviar um comentário