Primeira página do 1.º número de O Brigantino |
Assim, começaremos por analisar os respetivos “programas” ou “estatutos editoriais”, para depois captarmos os traços fundamentais do respetivo conteúdo, indagando especialmente as coordenadas principais de natureza política, noticiosa e literária.
A primeira impressão que temos da análise dos estatutos editoriais dos jornais de Bragança no século XIX, sobretudo a partir de 1846, é que os mesmos são fortemente motivados por objetivos ideológicos e políticos, incluindo nestes os de cariz religioso.
Com efeito, antes daquela data, apenas existiu o Farol Transmontano. Neste caso, estamos perante um periódico que procurou concretizar os objetivos da Sociedade Promotora dos Melhoramentos da Agricultura do Distrito de Bragança, não se podendo dizer, assim, que se trata de um jornal político, como se pode ver aliás, no seu programa.
Contudo, quando temos em consideração o Boletim Oficial de Bragança, quer em 1846, quer em 1847, verificamos que o seu conteúdo é nitidamente político.
O mesmo acontece com os jornais de natureza partidária, como O Distrito de Bragança, afeto ao Partido Regenerador, o qual irá manifestar a sua afirmação ideológica do seguinte modo: “somos rasgadamente liberais e tal será sempre a índole do Distrito de Bragança; amamos a liberdade e aborrecemos a tirania, mas respeitamos o monarca e as instituições; aplaudimos todas as conquistas do progresso, mas não somos apologistas da revolução armada; queremos a liberdade, mas uma liberdade bem entendida, conquistada pela educação e ilustração do povo: tais são as ideias que sustentaremos sempre”.
A Voz da Pátria, por sua vez, afirmar-se-á claramente defensora do regime republicano e dos trabalhadores: é “este dia [1.º de Maio] consagrado pelo mundo dos trabalhadores à comemoração do seu direito. E esta consagração, sem dúvida, é das mais grandiosas da história da humanidade, porque tem a sua base na justiça, que é o sustentáculo de todo o direito, de toda a liberdade, sem o que não há prosperidade pública, nem bem-estar individual”.
“Quem senão ele [o trabalho] tem feito a história, no esforço de cada homem; tem feito a indústria, o comércio, a agricultura, que são o apanágio de cada povo; tem feito a navegação e as descobertas, ligando o mundo antigo a mundos novos.”
Em Bragança, a maior parte dos jornais do século XIX é afeta aos progressistas, assim se compreendendo porque é que os jornais ligados ao Partido Regenerador surjam noutras sedes de concelho, como é o caso de Carrazeda de Ansiães, Moncorvo (onde, dos quatro jornais que registou, três deles defendiam o Partido Regenerador), Miranda do Douro (o único jornal aí editado no século XIX era também afeto ao Partido Regenerador), não falando de Macedo de Cavaleiros e Mirandela, onde surgiram também jornais ligados ao Partido Regenerador e aos republicanos.
Na última década do século XIX, mas sobretudo na primeira década do século XX, o panorama vai mudar por completo, havendo em Bragança apenas um jornal afeto ao Partido Progressista e vários ligados ao Partido Regenerador.
Não obstante o seu compromisso político-partidário e, algumas vezes, corporativo, praticamente todos os periódicos se afirmam com o grau de isenção e imparcialidade suficiente para não admitirem subserviências a quaisquer interesses particulares, sejam partidários ou classes, como se pode constatar neste texto de O Brigantino: “como porém somos soldado voluntário, que não recebe soldo de favores nem considerações sequer, conservamos uma certa isenção: aos nossos mesmos correligionários políticos não lhes pouparemos a censura amigável quando o entendermos em consciência, nem deixaremos de os acusar quando o merecerem.”
“O que sentirmos a respeito de política di-lo-emos sem rebuço e sem hesitações; e quando houver alguma iniquidade a condenar, destes ou dos outros, trovejaremos sobre ela, fulminando-a com toda a nossa indignação sem dó nem piedade.”
Além da imparcialidade, vários jornais dizem-se defensores de uma certa ética pública, excluindo das suas páginas qualquer assunto que diga respeito à vida particular de quem quer que seja. No entanto, uma análise mais aprofundada, que não vamos aqui fazer, permitir-nos-ia concluir que o conceito de vida particular era muito relativo e estava subordinado aos interesses gerais do ou dos responsáveis do jornal.
O caso do Baixo Clero (1899-1902) revela características específicas, na medida em que as suas preocupações políticas não tinham a ver com os assuntos civis, mas com assuntos eclesiásticos, aparecendo a defender o chamado baixo clero contra a governação do então bispo da Diocese, apesar de o seu diretor se afirmar claramente do Partido Progressista.
Para lá destas preocupações de cariz ideológico e político-partidário, uma outra característica da linha editorial de todos os jornais em análise assentava nos seus “propósitos noticiosos”. Nem outra coisa, aliás, seria de esperar, já que a função primeira que se espera de qualquer periódico é a publicação de notícias ou informações de interesse geral. No ponto seguinte, analisaremos também a natureza desse conteúdo.
Uma terceira preocupação, “a expressão literária”, também é transversal à maioria dos jornais em análise.
As preocupações políticas, noticiosas e literárias são as mais comuns e definem os grandes objetivos de praticamente todos os jornais do século em análise. Daí que vários deles apresentem como lema, junto ao título, as seguintes expressões enquanto definidoras do seu programa e do seu conteúdo: jornal ou semanário “político”, “noticioso” e “literário”, como se pode constatar nos títulos atrás reproduzidos. Um deles, o Norte Trasmontano, diz-se simultaneamente religioso, político e literário.
...CONTINUA...
Título: Bragança na Época Contemporânea (1820-2012)
Edição: Câmara Municipal de Bragança
Investigação: CEPESE – Centro de Estudos da População, Economia e Sociedade
Coordenação: Fernando de Sousa