quinta-feira, 28 de fevereiro de 2019

NAU CATRINETA


Lá vem a nau Catrineta
Que tem muito que contar.
Ouvi agora, senhores,
Uma história de pasmar.
Passava-se mais de ano e dia
Que iam na vetalta do mar.
Já não tinham que comer,
Já não tinham que manjar!
Deitaram solas de molho
Para o outro dia jantar.
Mas, a sola era tão rija,
Que não a puderam tragar.
Deitaram sortes à ventura
Qual se havia de matar.
Logo foi cair a sorte
No capitão-general.
- Sobe, sobe, marujinho,
Aquele mastro real.
Vê se vês terras de Espanha,
As praias de Portugal.
- Não vejo terras de Espanha
Nem praias de Portugal.
Vejo sete espadas nuas
Que estão para te matar.
- Acima, acima, gajeiro,
Acima ao topo real.
Olha se enxergas Espanha,
Areias de Portugal.
- Alvíssaras, capitão!
Meu capitão-general,
Já vejo terras de Espanha,
Areias de Portugal!
Mais enxergo três meninas,
Debaixo de um laranjal.
Uma sentada a coser,
Outra na roca a fiar.
A mais formosa de todas
Estava no meio a chorar.
- Todas três são minhas filhas.
Oh! Quem mas dera abraçar!
A mais formosa de todas
Contigo hei-de casar.
- A vossa filha não quero,
Que vos custou a criar.
- Dar-te-ei tanto dinheiro
Que o não possas contar.
- Não quero vosso dinheiro,
Pois vos custou a ganhar.
- Dou-te o meu cavalo branco
Que nunca houve outro igual.
- Guardai o vosso cavalo,
Que vos custou a ensinar.
- Dar-te-ei a Nau Catrineta
Para nela navegar.
- Não quero a Nau Catrineta
Que não a sei governar.
- Que queres tu, meu gajeiro.
Que alvíssaras te hei-de dar?
- Capitão, quero a tua alma
Para comigo a levar.
- Arrenego a ti, demónio,
Que me estavas a tentar.
A minha alma é só de Deus,
O corpo dou eu ao mar.
Tomou-o um anjo nos braços,
Não o deixou afogar.
Deu um estoiro o demónio.
Aclamaram vento e mar,
E à noite, a Nau Catrineta
Estava em terra a varar.

RECOLHA (1985) de Sebastião Agostinho Gonçalves, Gondesende – Bragança.

FICHA TÉCNICA:
Título: CANCIONEIRO TRANSMONTANO 2005
Autor do projecto: CHRYS CHRYSTELLO
Fotografia e design: LUÍS CANOTILHO
Pintura: HELENA CANOTILHO (capa e início dos capítulos)
Edição: SANTA CASA DA MISERICÓRDIA DE BRAGANÇA
Recolha de textos 2005: EDUARDO ALVES E SANDRA ROCHA
Recolha de textos 1985: BELARMINO AUGUSTO AFONSO
Edição de 1985: DELEGAÇÃO DA JUNTA CENTRAL DAS CASAS DO POVO DE
BRAGANÇA, ELEUTÉRIO ALVES e NARCISO GOMES
Transcrição musical 1985: ALBERTO ANÍBAL FERREIRA
Iimpressão e acabamento: ROCHA ARTES GRÁFICAS, V. N. GAIA

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