terça-feira, 24 de novembro de 2020

A PRAÇA DA SÉ

Não muito afastada da Câmara, na rua onde o comércio de maior fôlego tinha as portas abertas, junto à Praça da Sé, existiam motivos para que, em 18 de março de 1891, os homens da governança debatessem um problema de monta, relacionado com “a arrematação da demolição das casas sitas no cimo da Rua Direita e que foram expropriadas a fim de naquele local se construir um reservatório de águas que devem abastecer a Cidade”.

Praça da Sé antes de 1931

Tais planos devem ter perturbado o sossego de José Joaquim Gonçalves Braga, um proprietário com interesses ao lado do sítio onde se iriam fazer os depósitos de água. Por isso, este cidadão, que era senhor e possuidor da “morada de casas que pela demolição dos dois prédios a que ultimamente se procedeu, ficou sendo o primeiro do quarteirão que defronta com a Praça da Sé, ao cimo das ruas Direita e do Espírito Santo”, não demoraria a interceder pelos próprios interesses. Para tal, enviou à Câmara um requerimento, analisado na sessão de 13 de maio de 1891, em que alegava o seu desejo de continuar e concluir as obras que tinha em marcha neste edifício e em que sublinhava a intenção de lhe fazer “uma frontaria para o lado da Praça da Sé, (e) que para maior elegância do prédio e melhoramento da praça deve ser, no entender de pessoas competentes, de forma semicircular ou esferoidal”.
Está claro que o facto de José Joaquim Braga vincar o contributo da obra que tinha em mãos para o decoro da Praça da Sé não era completamente desinteressado, já que tentava que a Câmara lhe “declarasse do terreno das casas demolidas”, embora a troco de uma “razoável indemnização”. Ou seja, afirmava a pretensão à cedência do “terreno preciso para a mencionada frontaria no sentido indicado, de modo que a flexa da área alinhe pelo menos com a esquina poente do palacete da família Vargas, a fim de mandar levantar a competente planta e alçado”.
Em resposta, a Câmara fez saber que, “enquanto a obra dos reservatórios não estivesse feita ou o seu projeto elaborado”, não podia proceder à cedência de qualquer parcela dos terrenos a que se aludia. Mas em 11 de maio de 1892, num novo requerimento, José Joaquim Braga repetiu os termos do anterior e dava nota do “alinhamento pelo palacete da Casa Vargas, ficando livres à projeção da vista o cunhal de cantaria do referido palacete”, e já apresentava a planta com a indicação de que no prazo de seis meses dava a obra por concluída.
Ainda no mesmo ano, solicitava “que se lhe aprove a planta junta à petição, pela qual pretende construir a fachada da sua casa no terreno que ultimamente lhe foi concedido por esta Municipalidade na parte que faz frente para a Praça da Sé”. Na sessão realizada em 23 de novembro de 1892, a Câmara Municipal, depois de ponderar a matéria, aceitou o alargamento do prazo concedido “para a conclusão das obras que anda fazendo na sua casa no cimo da Rua Direita por espaço de oito meses, mais além dos seis que já lhe concedeu”.
Não somente a Praça adquiriu a sua forma atual, mas, em sentido figurado, podemos dizer que, naquele momento, se extraía a certidão de nascimento de uma casa que não é apenas uma das marcas incontornáveis da Praça da Sé contemporânea mas que, em termos de vida local, se tomarmos como exemplos a constituição do Clube Republicano ou a cerimónia pública de proclamação da República na Cidade, se associa a momentos de grande significado.
Pouco tempo depois da conclusão da casa de perfil “esferoidal”, na sessão de 18 de junho de 1890, a Câmara votou, aprovando a proposta do vereador João Ramos, a aquisição de quatro candeeiros de iluminação pública a colocar na Rua do Norte e na Praça Camões, mas reservando dois exemplares para a Praça da Sé. Claro que havia a preocupação de minorar a despesa com o combustível e por isso se assentava que só “serão acesos unicamente durante as noites de estio em que há grande concorrência de gente naqueles locais”. Especialmente na Praça da Sé, como se pode concluir da decisão que determinava “que se tomasse de aluguer a José Morais Serdeira, desta Cidade, o coreto de que é senhor e possuidor para nele tocar a banda do regimento de Caçadores n.º 3 e charanga do regimento de Cavalaria n.º 7 aos domingos e quintas-feiras de cada semana durante a presente quadra estival”.


A diversão musical era do agrado geral, pelo que, em maio do ano seguinte, a Câmara insistia novamente no aluguer do coreto, embora mudando-o de sítio, “para nele tocar a banda marcial da guarnição estacionada nesta Cidade, o qual deverá ser localizado na Praça Camões pelo tempo que decorrer desde a presente data (20 de maio de 1891) até fins de outubro deste ano e pela quantia de 13 500 réis”.
O que fica dito mostra como a Cidade se tinha afeiçoado aos concertos oferecidos pelas bandas militares e talvez pela banda da Associação dos Artistas. E a repetição desses momentos era desejada, pois, em maio de 1909, formulou-se um pedido ao ministro da Guerra para que autorizasse a banda do regimento de Infantaria n.º 10 a tocar às quintas-feiras e domingos, na Praça da Sé, com a particularidade dos músicos ocuparem posições na ampla varanda do Clube dos Caçadores, sobre a praça, uma vez que, agora, as finanças da Câmara não comportavam a despesa para a aquisição de um coreto. Só quase um ano depois, na reunião celebrada em 21 de abril de 1910, é que a edilidade apreciou a proposta para a construção de um coreto na Praça da Sé. Acrescente-se, no entanto, que este elemento ficou associado a um movimento coletivo, dinamizado por uma comissão presidida por Teófilo Maurício Constantino de Morais, que se empenhou numa subscrição pública.
O Jornal de Bragança e a Gazeta de Bragança, periódicos locais, noticiaram o bom acolhimento daquela iniciativa que, em abril de 1910, já se traduzia num apuro de 340$000 réis. Meios suficientes para se lançar o empreendimento, prevendo-se que a arrematação da caixa-de-ar ocorresse no dia 24 de abril, no salão da Associação Artística. A construção do novo coreto seria iniciada em 15 de junho de 1910 e implicou a reforma parcial do pavimento da Praça, alindado com calçada à portuguesa.
Apesar da importância deste elemento, sempre presente nas imagens mais antigas, a Praça acabaria por sofrer outras transformações pela via da colocação de obras de arte e também porque o volume da Igreja da Sé iria ser sujeito a algumas reconfigurações. Vale por isso a pena darmos nota da decisão tomada pela Câmara presidida por José Ledesma Pereira de Castro, em 1875, a qual mandou remover o cruzeiro que, com recurso a uma finta, se ergueu em 1689, na Praça da Sé. Em consequência, este belo exemplar da arte protobarroca seria desmontado e arrumado no cemitério público, onde permaneceu até que, em dezembro de 1930, por iniciativa do Grupo dos Amigos dos Monumentos e Obras de Arte de Bragança, se promoveu um abaixo-assinado pedindo à Câmara a colocação do cruzeiro no sítio de onde o tinha retirado décadas antes. Na mesma petição, sugeria-se também a normalização da geometria da Praça, o alargamento dos passeios e a formação de uma plataforma central, onde ficaria o cruzeiro. Justificava-se a posição desta placa com os exemplos da Praça do Rossio, em Lisboa, e da Praça de D. Pedro, no Porto.


Deferida a petição pela edilidade, logo os membros mais proeminentes do Grupo dos Amigos dos Monumentos e Obras de Arte de Bragança trataram de apoiar uma coleta pública que permitisse satisfazer os encargos com a recuperação do cruzeiro. A partir de março de 1931, o fuste espiralado do cruzeiro, que durante muito tempo justificou o topónimo da Praça da Cruz de Pedra, antecedendo a designação de Praça da Sé, passou a pontuar a zona central da praça mais importante da contemporaneidade de Bragança.
Sendo muito importantes, os trabalhos que os Monumentos Nacionais desenvolviam na antiga Casa da Água inspiravam sentimentos de engrandecimento do caráter da Cidade e dos seus habitantes. 
Nesta perspetiva, homenageavam-se os que tinham caído na Grande Guerra com a construção de um obelisco na Praça de S. Vicente, um monumento riscado pelo engenheiro José António de Abreu, nascido no Parâmio, em 1892. Quase ao mesmo tempo, seguindo o exemplo da Direção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, derrubavam-se os muros que emparedavam os arcos da galilé da Igreja da Sé, demolia-se a construção que a encimava, onde vivia o sineiro, mudava-se a posição do grande janelão maneirista, aberto em finais do século XVII para dar luz ao coro da igreja, e alteava-se o compacto volume da torre dos sinos. Intervenções efetuadas em nome da valorização do património edificado, muito discutíveis, à luz das conceções teóricas que informam atualmente tais operações. Independentemente dos conceitos teóricos em jogo, redefinia se a imagem da Praça da Sé.

Título: Bragança na Época Contemporânea (1820-2012)
Edição: Câmara Municipal de Bragança
Investigação: CEPESE – Centro de Estudos da População, Economia e Sociedade
Coordenação: Fernando de Sousa

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