Por: Antônio Carlos Affonso dos Santos – ACAS
São Paulo (Brasil)
(colaborador do Memórias...e outras coisas)
O CALCULISTA DAS ARÁBIAS
O xeque Nasair e três damascenos gastaram 30 dinares em uma hospedaria. Os damascenos pagaram a conta, dando 10 dinares cada. O escravo que trabalhava na hospedaria informou que a despesa havia sido de apenas 25 dinares e devolveu 5. Cada damasceno tomou um dinar de volta, e deram as duas moedas restantes ao escravo, como gorjeta. Disse um damasceno: "Cada um de nós pagou 10 dinares e recebeu um de volta. Logo, cada um pagou, na verdade, 9 dinares. Nove vezes três é igual a 27, mais os dois dinares do escravo, obtemos 29. Onde afinal foi parar o dinar restante?". Beremiz Samir, “o Homem que Calculava”, logo resolveu o enigma.
-E você, será capaz???
Resposta:
- O raciocínio é que estava errado. Se ao final da negociação cada um dos três damascenos pagou 9 dinares (27) e a conta da hospedaria foi 25, sobraram apenas 2 dinares (27-25=2), que foram repassados ao escravo.
(Fonte: Almanaque Brasil - Número 110).
Encontramos perto de um antigo local de descanso para caravanas do deserto (1), já meio abandonado, três homens que discutiam acaloradamente ao pé de um lote de camelos. Por entre pragas e impropérios, gritavam possessos, furiosos:
- Não pode ser!
- Isto é um roubo!
- Não aceito!
O inteligente Beremiz procurou informar-se do que se tratava.
- Somos irmãos – esclareceu o mais velho – e recebemos como herança
esses 35 camelos. Segundo a vontade expressa de meu pai, devo receber a
metade, o meu irmão Hamed Namir uma terça parte, e, ao Harim, o mais moço,
deve tocar apenas a nona parte. Não sabemos, porém, como dividir dessa forma
35 camelos, e, a cada partilha proposta segue-se a recusa dos outros dois, pois a
metade de 35 é 17 e meio. Como fazer a partilha se a terça e a nona parte de 35
também não são exatas?
- É muito simples – atalhou o Homem que Calculava. – Encarrego-me de
fazer com justiça essa divisão, se permitirem que eu junte aos 35 camelos da
herança este belo animal que em boa hora aqui nos trouxe!
Neste ponto, procurei intervir na questão:
- Não posso consentir em semelhante loucura! Como poderíamos concluir
a viajem se ficássemos sem o camelo?
- Não te preocupes com o resultado, ó Bagdáli! – replicou em voz baixa o Beremiz:
– Sei muito bem o que estou fazendo. Cede-me o teu camelo e verásaocaboeaofim, a que conclusão quero chegar.
Tal foi o tom de segurança com que Beremiz falou, que o irmão mais velho não teve dúvida em entregar-lhe o seu belo “jamel” (2), que imediatamente foi reunido aos 35 ali presentes, para serem repartidos pelos três herdeiros.
- Vou, meus amigos – disse ele, dirigindo-se aos três irmãos, fazer a
divisão justa e exata dos camelos que são agora, como veem, em número de 36.
E, voltando-se para o mais velho dos irmãos, assim falou:
- Deverias receber meu amigo, a metade de 35, isto é, 17 e meio.
Receberás a metade de 36, portanto, 18. Nada tens a reclamar, pois é claro que
saístes lucrando com esta divisão.
E, dirigindo-se ao segundo herdeiro, continuou:
- E tu, Hamed Namir, deverias receber um terço de 35, isto é 11 e pouco.
Vais receber um terço de 36, isto é 12! Não poderás protestar, pois tu também
saíste com visível lucro na transação.
E disse por fim ao mais moço:
- E tu jovem Harim Namir; segundo a vontade de teu pai, deverias receber
uma nona parte de 35, isto é 3 e tanto. Vais receber uma nona parte de 36, isto é, 4 camelos. O teu lucro foi igualmente notável. Só tens a agradecer-me pelo resultado!
E concluiu com a maior segurança e serenidade:
- Pela vantajosa divisão feita entre os irmãos Namir – partilha em que
todos três saíram lucrando – couberam 18 camelos ao primeiro, 12 ao segundo e
4 ao terceiro, o que dá um resultado (18+12+4) de 34 camelos. Dos 36 camelos,
sobram, portanto, dois!
Um pertence como sabem ao Bagdáli, meu amigo e companheiro e primogênito, o outro toca por direito a mim, por ter resolvido a contento de todos, o complicado problema da herança!
- Sois inteligente, ó Estrangeiro! – exclamou Bagdáli, o mais velho dos três irmãos. Aceitamos a vossa partilha na certeza de que foi feita com justiça e equidade!
E o astucioso Beremiz – “o Homem que Calculava” – tomou logo posse de um dos mais belos “jamales” do grupo e disse ao Bagdáli, enquanto lhe entregava pela rédea o animal que lhe pertencia:
- Poderás agora, meu amigo, continuar a viajem no teu camelo manso e
seguro! Tenho outro, especialmente para mim!
E assim, os três irmãos e a cáfila continuaram sua jornada para Bagdá!!
PÓSFÁCIO
CONTEXTO
Sobre o autor
Júlio César de Melo e Souza desenvolveu a atividade literária juntamente com o magistério. Publicou 117 livros, sendo considerado hoje um dos pais da etnomatemática, ciência que estuda a forma como a matemática é usada por diferentes culturas e etnias.
Importância do livro
O professor e engenheiro carioca Júlio César de Mello e Souza escreveu, sob o pseudônimo Malba Tahan, várias obras que o consagraram como pioneiro da difusão da educação matemática no país. Por meio da fantasia e do encantamento das lendas árabes, o autor difundiu o gosto e a curiosidade pelo mundo da matemática. “O Homem que Calculava”, seu maior sucesso, tornou-se um clássico da literatura infanto-juvenil e é lido até hoje, Século XXI, estando na 75ª edição; a primeira edição data de 1938. O livro “ O Homem que Calculava” foi premiado pela Academia Brasileira de Letras.
ANÁLISE
Apesar de não ser um livro didático, é muito recomendado nas escolas pela forma como apresenta a matemática. O autor busca colocar a disciplina de forma divertida e lúdica, incentivando uma nova maneira de pensar o aprendizado. Como professor de matemática, o escritor Júlio César conhecia bem as necessidades dos alunos e acreditava que o ensino podia ser mais agradável para o estudante
O livro apresenta uma matemática sem fórmulas, baseada no raciocínio do protagonista Beremiz, protagonista encarnado pelo próprio Professor Júlio César, “O Homem que Calculava” mostra, com isso, que a disciplina não é um conjunto de fórmulas decoradas e que o conhecimento pode solucionar questões do dia a dia. Sem dúvida, o livro de Malba Tahan (née Júlio César de Melo e Souza), é recomendado pelo colaborador ACAS, como uma das formas mais divertidas que tive contato em minha longa vida, quanto à disciplina de Matemática e o método de ensino. É lúdico, incitante, instigante e didático, podendo ser usado em qualquer país do mundo.
REFERÊNCIAS
1 Refúgio construído pelo governo ou por pessoas piedosas à beira do caminho, para servir de abrigo aos peregrinos. Espécie de rancho de grandes dimensões em que se acolhiam as caravanas.
2 Uma das muitas denominações que os árabes dão ao camelo.
Antônio Carlos Affonso dos Santos – ACAS. É natural de Cravinhos-SP. É Físico, poeta e contista. Tem textos publicados em 8 livros, sendo 4 “solos e entre eles, o Pequeno Dicionário de Caipirês e o livro infantil “A Sementinha” além de quatro outros publicados em antologias junto a outros escritores.
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