quinta-feira, 23 de janeiro de 2020

Casa de Campo

Tal como outrora a melancolia, com pesos e medidas calibrados, é elixir revigorante, quando a mente a procura, a deseja. Sinto-lhe a falta nos momentos em que a angústia me abraça e o cansaço me tolhe nos entretantos citadinos, perco-me por entre as gentes automatizadas que circulam alheadas, isoladas, com origens e destinos desenhados, pré-concebidos. Nesse sufoco é hora de partir, a chegada espera-me, lá nos sítios da quietude.
As árvores conhecidas, os musgos que sempre brotam, os caminhos já sulcados pelas águas que por ali correram, as estevas que rebentam, os nevoeiros matinais e gelados que nos aconselham enxerga, os ventos frescos que cortam, os bafos dos cumprimentadores, os fumos das chaminés carregados dos cheiros que se não esquecem, as lareiras que crepitam, são alguns dos temperos da calmaria que por aqui vive.
Neste Natal, no Sendim da Ribeira em Alfândega da Fé, bem estribado pelas vozitas dos netos, aconchegado nos afagos familiares, demandei pela novidade, todos juntos vasculhamos as conquistas das águas invasoras, as que nasceram do estancamento forçado do leito secular do milenário Sabor, a aorta desse hercúleo território que sempre se escondeu por detrás dos montes. A Barragem do Baixo Sabor, montante, amedrontou as águas afluentes que alegremente para ali se encaminhavam, perante a armadilha a Ribeira de Zacarias recuou, o espelho serpenteado que se encaixou por entre os verdejantes montes que sempre por aqui viveram, reflete outros horizontes que para aqui se movimentam, haja visão política aproveitadora dos novos tempos.
Fomos ver o golpe de asa de Souto de Moura, o truque mágico que escondeu os apetrechos fazedores de eletricidade da Barragem da Foz do Tua, dignificando o sítio que aspirou, por mérito, a Património da Humanidade. No regresso, ao passar por Mirandela, reobservei a imponente frontaria do Palácio, iluminada, onde se instalou a Presidência da Câmara. De sempre pensei que os Senhores que mandaram construir este soberbo e majestático edifício, este Solar, fossem oriundos de Trás-os-Montes.
A História diz-nos que estes Condes, poderosa nobreza oposta a D. José I, ascendem de Trancoso, Beira Alta, e beberam o nome do rio que ali nasce, o Rio Távora. Aqui bem perto, em Souro Pires, edificaram o mais sublime Solar português do séc. XV/XVI, o Solar dos Távora, de frontaria guerreira com Torre.
De haveres magnânimos, regiamente concedidos, permitiram-lhes levantar sumptuoso e dignificante património sendo de realçar o Mosteiro de S. Pedro das Águias, hoje reconvertido em enoturismo, mandado erigir pelo 8.º Senhor de Távora, Senhor do Minhocal. Mas mesmo estes donos do mundo procuravam a quietude, a melancolia. Para tal, para descansar, nos subúrbios bucólicos e campestres da Lisboa Antiga, com vistas para as hortas, lá para o Campo Pequeno, colado ao Campo Grande, projetaram imponente edifício de lazer, hoje Palácio Galveias, a sua Casa de Campo…

Ricardo Mota

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