As folhas e as flores aí estão, serenas, sem vaidades, como sempre. Nós é que não estamos com os mesmos olhos da alma, que se fica triste como a noite ou se deixa tomar pela raiva que transparece sempre da resignação, mesmo se sabemos que o que acontece tem ou há-de ter uma explicação racional e se não nos tivéssemos deixado enredar no comodismo, na displicência, na lassidão, poderíamos estar a encarar a situação com outra tranquilidade.
De facto, pelo menos os mais informados, sabíamos que havia grande probabilidade de que surgissem pandemias, porque a natureza é como é. Alguns foram alertando para ciclos observáveis ao longo do tempo e não faltou quem dissesse que cada século traria algumas perturbações, mais ou menos tremendas.
Até se fizeram filmes sobre o assunto, que agitaram as gentes, abriram os portões da adrenalina, provocaram arrepios e respirações ofegantes. Ao mesmo tempo alimentou-se difusa ideia de que poderia haver gente maléfica, a mandar em parte do mundo, ou nele todo, que estaria a dar-se a caprichos diabólicos e a deliciar-se com uma situação do género. Mais uma forma de tentar iludir as probabilidades reais de um fenómeno que, objectivamente, poderíamos ter sob um controle preventivo mais apertado e, por isso, mais eficaz.
Poderíamos, naturalmente, todos os que estamos por este mundo, mesmo se temos que reconhecer que há bastante tempo não se conheciam tão notórios retrocessos nos modelos de gestão política das comunidades, dos estados e, por consequência, na dificuldade de encontrar soluções solidárias, num mundo que esperávamos estivesse a encaminhar-se para mais dignidade, depois de experiências, do último século, que demonstraram as misérias de que somos capazes.
Quando chegam notícias da verdadeira selva que têm sido, a nível internacional, os negócios dos equipamentos de apoio à recuperação e de prevenção da infecção, não estamos longe do aguçar das unhas e do arreganhar dos dentes entre grupos rivais de símios numa qualquer floresta, real ou imaginária.
Os protagonistas são quase sempre os mesmos, mas o inquietante é que recolhem o apoio de milhões de trogloditas que os legitimaram, em sistemas confundíveis com esse modelo nobre, construído penosamente ao longo de séculos, a que chamamos democracia.
Entretanto, continuamos a confrontar-nos, todos os dias, com notória dificuldade de acesso a informação sólida, o que prejudica a serenidade, talvez a arma fundamental para não darmos campo ao pânico e à instalação do caos, que não aproveitam a ninguém.
Esperemos que os procedimentos dos responsáveis nacionais nos levem a porto seguro, donde nos seja possível encarar o horizonte com a profundidade que impeça o florescimento da desconfiança, o avolumar dos temores e, principalmente, que não nos deixe tomar pelo desespero.
Teófilo Vaz
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