Escrevo-vos numa altura em que muito está a mudar por causa de um vírus que ninguém convidou mas que se instalou nas nossas vidas mas que, como vocês sabem, vai embora daqui a algum tempo. O vírus obrigou-nos a mudar muitas coisas, mas muitas mais estão para mudar.
Quero que saibam que tudo o que experienciaram até agora é o que uma criança tem de viver: brincar, fazer disparates, partilhar, chorar quando não consegue lidar com o que está a sentir, ver no Colégio um espaço de alegria, enfim! Ser criança em plenitude!
Os Senhores que governam o nosso País estão preocupados com o vírus que nos tem feito estar em casa e, pensando no dinheirinho que vocês sabem que é essencial termos, mandaram abrir já as escolas. Tu, minha crescida que fizeste agora 5 anos, dizes que queres estar com os Amigos quando o vírus passar porque já tens saudades e tu, minha Pequenina com 2 anos acabados de fazer, sei que me dirias o mesmo se já conseguisses. E eu fico orgulhosa por vos ver crescer e partilhar afectos, estarem desejosas de contar e partilhar o que fizeram estes meses em casa e, como vocês dizem, terem vontade de dar abracinhos sem fim a todos quando voltarem à escola.
Não quero que receiem o abraço, o beijo, a partilha. Não quero que deixem de ver os Coleguinhas como Amigos e comecem a construir amizades para sempre ou os Educadores e Auxiliares como adultos que tantas coisas bonitas vos ensinam mas que também lá estão para um colinho quando têm saudades dos Papás ou para um miminho quando ficam tristes por um Amigo não querer brincar convosco ou porque simplesmente acabaram de cair quando corriam a brincar. Não! Desculpem mas não consigo explicar-vos como a Mamã sofre só de pensar que não tem alternativa a colocar-vos numa escola que será tudo menos a escola que vocês conhecem, tudo menos um lugar feliz, tudo menos afecto, brincadeira e desenvolvimento. Como não tem alternativa para vos proteger de se sentirem rejeitadas por quem vos gostaria tanto de dar um colinho como vocês de o receber ou que não consegue não vos colocar numa escola transformada em depósito de crianças que deixarão de o ser para se transformarem em robôs com regras tão rígidas que até a nós, adultos, nos custa seguir. Como me revolto ao ouvir uma autoridade nacional de saúde falar de regras de segurança para a saúde sem referir a saúde emocional ou as consequências psicológicas que tudo isto vos trará.
Sei também que os vossos professores (porque vocês não querem saber se é auxiliar ou educador, é professor e pronto) estão a sofrer tanto como a Mamã. Porque eles adoram ser parte deste processo de crescimento, de partilha e afectos e agora serão guardas de umas normas em que não acreditam. Regras que sabem que estão longe daquelas que sempre vos ensinaram da partilha, da amizade, da brincadeira. Porque eles sabem, mais do que ninguém, o quanto é impossível vocês não partilharem brincadeiras ou espaços, brinquedos e toques, numa altura em que todos os sentidos vos fazem crescer. Aliás, bem sabem que vos terão que repetir o “não saias daí”, “não podes brincar com mais nada”, “não podes ir ter com o Amigo” e que isso vos deixará marcas que eles nunca desejaram que qualquer criança tivesse. Porque sei que quando os vossos “professores” perguntam aos Papás como estão os “seus meninos” não o fazem apenas no discurso, mas porque também vos sentem como deles e é por isso que receiam, tanto quanto os Papás, como isto vos irá influenciar no vosso crescimento e na forma como se sentem convosco e com os outros. Se me dói imaginar o que vocês sentirão quando o “professor” não vos der a atenção que vocês precisarem (o abraço, o colinho, o miminho), se nem consigo imaginar como se sentirão rejeitados e o que isso implicará na construção da vossa personalidade e incompreensão dos vossos sentimentos, não consigo também sequer supor o quanto isso magoará e marcará aqueles que adoram a profissão e que vos veem como os seus “meninos”. Sei que darão o seu melhor mas muito não depende deles que também estão sob o regime destas regras. Regras que só demonstram o quanto é nefasta esta abertura prematura.
Não consigo explicar-vos que não tenho alternativa a colocar-vos num local (sim, porque é disto que estamos a falar) onde vocês poderão ser tudo menos crianças, como alguns dos vossos Amiguinhos não irão voltar à escola porque os Papás têm alternativa e protegerão os Filhos e como gostava também de o conseguir. Explicar-vos como um espaço de desenvolvimento se vai transformar em tudo menos num local de evolução e em que – estou certa – o vosso sentimento de adorar a escola vai mudar desde o primeiro dia em que lá voltarem. E depois por quanto tempo ficarão com esta sensação? Não imagino como tu, minha Pequena Kika, te sentirás quando, com dois anos, voltares a ter que fazer a adaptação à sala de onde saíste a meio de Março para tua casa, onde sempre estiveste com a tua Família, e não poderes ter o mimo que tal exigiria. Não imagino sequer o que vocês as duas sentirão quando, voltando à escola onde sempre vos deixaram juntar quando pediam para ir ver um pouco a Mana, vos disserem que não e nem vos acalmarem o choro subsequente com um colinho e um beijinho. Não, não consigo explicar porque choro sequer de o imaginar.
A creche ou o pré-escolar, a escola dos bebés ou dos crescidos como a chamamos cá em casa, sempre foi um lugar feliz. Desculpem a Mamã por não vos saber explicar como vão deixar de explorar, experimentar, experienciar, de fervilhar de emoção com uma nova actividade ou tão simplesmente falar ao ouvido do Amiguinho para irem pregar um susto ao Educador, que fazia sempre a “fita” de se assustar, farta de saber o que vocês planeavam e vos “respondia” com um ataque de cócegas.
Desculpem a Mamã por não ter alternativa a colocar-vos numa escola que será tudo menos as escola onde vocês sempre foram felizes e em que os Papás confiam. Desculpem a Mamã por não vos saber explicar algo que não tem explicação e por não vos conseguir provar que podem sempre contar com os Papás e os Educadores para vos ajudarem a resolver tudo o que vos deixa tristes e como um abracinho, tantas e tantas vezes, nos ajuda a sentir logo melhor. Adoro-vos e não consigo sequer imaginar a excitação do vosso olhar quando imaginam o regresso à escola ser substituído por choro a pedir para não voltar.
Desculpem a Mamã mas nunca desculpem quem obrigou a Mamã, e tantos outros Papás e professores, a fazer isto. Ou digam “muito obrigada” se quem manda conseguir perceber o que tantas vozes que sabem mais do que a Mamã têm dito nos últimos dias e mudarem a decisão e permitirem que continuem a ser crianças plenas e felizes, deixando as regras duras e experimentais para os adultos. Porque vocês minhas Princesas, os vossos Amiguinhos e todos os outros meninos que não conhecemos são o verdadeiro arco-íris deste mundo que ficou tão cinzento e é por vocês e pela vossa felicidade que tudo vale a pena.
Ana Soares
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