quarta-feira, 30 de dezembro de 2020

Adolfo Coelho: "História do Compadre Rico e do Compadre Pobre"

 Moravam numa aldeia dois compadres. Um era pobre e o outro rico, mas  muito miserável. Naquela terra era uso todos quantos matavam porco dar um lombo  ao abade. O compadre rico, que queria matar porco sem ter de dar o lombo,  lamentou-se ao pobre, dizendo mal de tal uso. Este deu-lhe de conselho que  matasse o porco e o dependurasse no quintal, recolhendo-o de madrugada,   para  depois dizer que lho tinham roubado.

Ficou muito contente com aquela ideia e seguiu à risca o que o compadre  pobre lhe tinha dito. Depois deitou-se com tenção de ir de madrugada ao quintal  buscar o porco. Mas o compadre pobre, que era espertalhão, foi lá de noite e  roubou-lho. No dia seguinte, quando o rico deu pela falta do porco, correu a casa do  compadre pobre e muito aflito contou-lhe o acontecido. Este, fazendo-se  desentendido, dizia-lhe: Assim, compadre! Bravo! Muito bem, muito bem! Assim é  que há-de dizer para se esquivar de dar o lombo ao abade!

O rico cada vez teimava mais ser certo terem-lhe roubado o porco; e o pobre  cada vez se ria mais, até que aquele saiu desesperado, porque o não entendiam.

O que roubou o porco ficou muito contente e disse à mulher: Olha, mulher,  desta maneira também havemos de arranjar vinho. Tu hás-de ir a correr e a chorar  para casa do compadre, fingindo que eu te quero bater; levas um odre debaixo do  fato, e quando sentires a minha voz, foges para a adega do compadre e enquanto  eu estou falando com ele, enches o odre de vinho e foges pela outra porta para  casa. A mulher, fingindo-se muito aflita, correu para casa do compadre, pedindo que  lhe acudisse, porque o marido a queria matar. Nisto ouviu a voz do marido e correu  para a adega do compadre, e enquanto este diligenciava apaziguar-lhe a ira, enchia  ela o odre. Tinha-lhe esquecido, porém, um cordão para o atar, mas tendo uma ideia  gritou para o marido: Ah! Goela de odre sem nagalho! O marido, que entendeu,  respondeu-lhe: Ah, grande atrevida!... Que se lá vou abaixo, com a fita do cabelo te  hei-de afogar! Ela, apenas isto ouviu, desatou logo o cabelo, atou com a fita a boca  do odre e fugiu com ela para casa. Desta maneira tiveram porco e vinho sem lhes  custar nada, e enganaram o avarento do compadre. 

Nota:
Adolfo Coelho: "Contos Populares Portugueses" (1879)

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