sábado, 23 de janeiro de 2021

Os Saberes

Lenta, muito lentamente, a dado momento das coisas da sua e evolução, o ser humano começou aperceber-se de si e dos outros. Foi adquirindo competências para facilitar o seu sobreviver, num crescendo de problemas e de soluções que não existiriam se não houvesse problemas.

Foi aprendendo e solucionado. Mas antes, muito antes mesmo, foi sofrendo transformações físicas. O seu cérebro cresceu e fez aumentar a sua cabeça em volume. Desproporcionada em tamanho relativamente ao resto do corpo, dificultou-lhe o nascer.

Em manada os nossos ancestrais peregrinavam à cata de condições e de alimentos seguindo o instinto. No entanto, na hora certa de vir nova cria ao mundo, estancavam. Pelo menos os de maior proximidade à parturiente, esperavam e socorriam.

Destas dificuldades sem par no mundo animal, brotou o sentimento de solidariedade, exclusivo da espécie. Ascendeu-se a chama do brilhozinho nos olhos escorrida da alma e semente das primeiras ternuras. O tempo passou em milhares de anos, mas pegou e ficou.

Outros milhares depois, arranjou-se jeito para se partirem bivalves com pedras, pegou-se o lume pela primeira vez, o culto dos mortos prendeu os humanos ao lugar. Trinta mil anos depois ergueram-se as primeiras construções e fundaram-se as primeiras comunidades.

Outros milhares de anos depois e oito mil antes de nós, descobriu-se a escrita. O que se dizia passou a poder ficar sem que fosse levado pela aragem. Os símbolos passaram também a dizer uns dos outros e de uns para outros numa ímpar forma de comunicar.

Foi o ponto mais sublime da evolução que nos diferencia, sem que nos deixe distinguir em absoluto, pois o ser humano continua a ser a par das hienas, a única espécie que mata somente por prazer. Caminhámos, mas há coisas que ainda nos restam nos ramos das árvores que foram o nosso chão de muito antigamente.

Em todo o caso, fomos construindo e distribuindo conhecimento. Temos sabido por onde ir porque sabemos de onde vimos graças à História, conseguimos voar sem asas graças à Literatura, descobrimos a toda a hora novas coisa graças à Ciência e amparamos o caminhar com força, mercê das competências de gestão que permitem otimizar recursos.

No entanto, chegamos a um cruzamento e sentimo-nos à toa. Ouvimos desvalorizar os saberes das humanidades tidos como desnecessários e improdutivos, enquanto se dá a exclusividade do que vale a pena aos maneirismos que permitem uns poucos ganharem muito cada vez mais.

O resplandecer da modernidade mostra-nos muita gente a viver realidades paralelas nos corredores esconsos da Internet transformada em coisa sinistra e anárquica onde pululam heróis de pacotilha de nenhuma serventia para a gente de bem.

Cada vez mais o ser humano sabe muito, mas não consegue atingir o ponto em que se verifica que nada se sabe. Por isso é que vem há milénios a aprender, e a correr certo, outros tantos andará a desemburrar-se. Está nos livros.

Manuel Igreja

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