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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

quinta-feira, 17 de junho de 2021

Guerra Junqueiro: "O Ermitão"

 Um homem, animado pela mais ardente crença religiosa, deliberou retirar-se a uma gruta solitária para se consagrar inteiramente ao trabalho da sua salvação. Jejuando sempre, orando, silenciando-se, os seus pensamentos não se desviavam nunca da ideia de Deus. Depois de ter assim vivido durante muitos anos, uma noite lembrou-se de que já tinha merecido um lugar glorioso no paraíso, e podia ser contado entre os santos mais notáveis.

Na noite seguinte o anjo Gabriel apareceu-lhe, e disse-lhe:

- Há no mundo um pobre músico, que anda de porta em porta, tocando viola e cantando, e que mereceu mais do que tu as recompensas eternas.

O ermitão, atônito, ao ouvir estas palavras, levantou-se, agarrou no seu bordão, foi em busca do músico e mal o encontrou disse-lhe:

- Irmão, dize-me que boas obras fizeste, e por meio de que orações e penitências te tornaste agradável a Deus.

- Ora, respondeu-lhe o músico, abaixando a cabeça, santo padre, não zombes de mim. Nunca fiz boas obras, e quanto a orações não as sei, pobre de mim, que sou um pecador. O que faço é andar de casa em casa a divertir os outros.

O austero ermitão continuou a insistir:

- Estou certo que, no meio da tua existência vagabunda, praticaste algum ato de virtude.

- Em verdade não poderia citar nem um só.

- Mas então como chegaste a este estado de pobreza? Tens vivido loucamente como os que exercem a tua profissão? Dissipaste frivolamente o teu patrimônio e o produto do teu oficio?

- Não; mas um dia encontrei uma pobre mulher abandonada, cujo marido e filhos tinham sido condenados à escravidão para pagar uma divida. Essa mulher era nova e bela, e queriam seduzi-la. Recolhi-a em minha casa, protegia-a em todos os perigos, dei-lhe tudo que possuía para resgatar a sua família, e levei-a à cidade, onde ela devia encontrar-se com seu marido e com seus filhos. Mas quem não teria feito outro tanto?

A estas palavras o ermitão pôs-se a chorar, e exclamou:

- Nos meus setenta anos de solidão nunca pratiquei uma obra tão meritória, e apesar disso chamo-me o homem de Deus, enquanto que tu não passas de um pobre músico.

Fonte:
Guerra Junqueiro: "Contos para a Infância", Publicado originalmente em 1877. 

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