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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

quinta-feira, 17 de junho de 2021

Miranda do Douro: homens de saia e o Jesus da cartolinha

 Tudo começou com um convite, encontrado na caixa do correio. “Fátima & Alonso cumbidan-bos pa la sou boda que se irá a fazer ne l die 3 de setembre de 2016, pulas 15h30”.


Após a perplexidade inicial, constato que o casamento será em cascos de rolha, quase em Espanha, na estranha e mítica Terra de Miranda onde existe uma catedral sem bispo, um menino Jesus que usa cartola e os homens vestem saias e xaile para a Dança dos Pauliteiros. E onde se fala mirandês, a segunda língua oficial do país.

A lonjura e o isolamento do planalto (para lá dos Montes) serviram de fronteira linguística, pelo que o mirandês sobreviveu, pelo menos até ao século XXI. Pusemo-nos a caminho no início de um Setembro perturbadoramente abrasador e descobrimos uma terra para lá de inesperada.

Em Miranda do Douro ficámos hospedados numa antiga Pousada de Portugal, com uma vista magnífica sobre o rio Douro, de onde se pode ver, com um pouco de sorte, águias, abutres do Egipto e corujas.

O casamento foi, obviamente, uma ocasião feliz. Os noivos apresentaram-nos várias tradições locais, ao longo do dia. À saída da Sé catedral, um grupo de pauliteiros exibiu a sua dança aparatosa de paus, ao som das caixas e gaitas-de-foles.

Os tradicionais pauliteiros de Miranda, com as suas lindas saias.

A célebre posta à mirandesa brilhou no menu do banquete. Feita com carne de lindas vacas de olhos meigos, que até têm um livro genealógico de raça, diz quem a comeu que merece toda a fama que tem.

Como lembrança, os convidados receberam pequenas “capas de honras” mirandesas. Desconhecia e fiquei rendida. Feitas em lã de burel, para protegerem os guardadores de vacas durante os nove meses de Inverno (os outros três são de inferno), as capas pesadas e austeras não só viraram artesanato, como se transformaram em trajes usados em todo o tipo de cerimónia.

Mas o que mais me surpreendeu em Miranda do Douro foi o inverosímil Menino Jesus da Cartolinha ou, em mirandês, Nino Jasus de la Cartolica, habitante da espanholizada Sé que enverga, no alto da sua cabeça, uma cartola!!!

© diariodetrasosmontes

Habituámo-nos a imagens dele bebé ou adulto (recordem a emoção que foi ver a Pietá, aqui) . Mas, aqui, Jesus é um moçoilo vaidoso de faces rosadas, com os seus 18 ou 20 anos e roupas de fidalgo. Parece um oficial de cavalaria, com espada a tiracolo, uma condecoração ao peito e uma elegante cartola.

A lenda que ajudou à sua criação pode estar relacionada com a Guerra da Restauração da independência (1640-1668) ou com a Guerra da Sucessão espanhola, épocas em que os povos da fronteira sofreram muito, sobretudo com fome e peste.

Numa dessas ocasiões, terá acontecido um cerco e, quando o povo se ia render, terá aparecido um pequeno cavaleiro que liderou o povo de Miranda contra o invasor. Ganha a batalha, o “pequeno General” desapareceu por completo.

Criou-se assim a ideia de um Jesus-soldado ou Jesus-cavaleiro enviado pelos céus para ajudar os mirandeses. Vai daí fizeram uma pequena estatueta para o representar, com um farto enxoval: fatos, coletes, meias e meiotes de lã, camisas de finos bordados, até um variado conjunto de botas e tamancos de pau…


No início, o menino usava um simples chapéu de palha mas, por volta do século XIX, deram-lhe um toque capitalista, acrescentando-lhe uma cartola de gentleman.

Nos meses de frio, aquecem-no com a capa mirandesa. É assim que sai em procissão no Dia de Reis, carregado por quatro crianças. Mas o seu armário é tão fino que inclui até fardas da GNR e da Polícia de Segurança Pública que um ministro português lhe ofereceu (Rui Pereira, natural do concelho).

Este Menino General é a principal atracção dos visitantes, que ignoram completamente o grandioso retábulo da catedral. Um pouco como acontece com outro menino, que fala outra língua e tem também um guarda-roupa faustoso: o Menino Jesus de Praga.


Ruthia Portelinha

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