No âmbito de uma série sobre espécies aquáticas invasoras, Pedro Anastácio, investigador do MARE – Centro de Ciências do Mar e do Ambiente na Universidade de Évora, ligado ao projecto LIFE Invasaqua, explica tudo o que precisamos de saber sobre este lagostim que afeta fortemente os ecossistemas onde é introduzido.
Foto: Filipe Ribeiro |
O lagostim-sinal (Pacifastacus leniusculus) é nativo das regiões temperadas frias da zona ocidental da América do Norte, entre o Oceano Pacífico e as Montanhas Rochosas. O seu habitat são águas correntes e também zonas de água parada, como por exemplo lagos, e é capaz de tolerar exposição a água estuarina. É muito frequente na Europa Central, Escandinávia, Espanha e Reino Unido, mas a espécie continua em expansão. Apesar de ser já uma das duas principais espécies invasoras de lagostins no planeta, sabe-se através de modelos de distribuição que há ainda muitas áreas não invadidas com condições adequadas para o lagostim-sinal. Isto inclui extensas áreas em Portugal, no resto da Europa e mesmo a nível mundial.
Como chegou à Europa e a Portugal?
Foi introduzido pela primeira vez na Europa, mais concretamente na Suécia, durante a década de 1960. Esta introdução foi realizada com o propósito de substituir o lagostim nativo dessa região (Astacus astacus) que era cada vez menos abundante devido à peste dos lagostins. Depois, foi-se espalhando pelo resto do continente de forma autónoma dentro das bacias dos rios, mas também frequentemente por ação humana através de novas introduções ilegais a partir da América do Norte e outras translocações regionais ou internacionais.
Entrou em Portugal, dispersando-se a partir de Espanha onde é abundante e onde foi introduzido em 1974 e 1975 a partir da Suécia. A espécie foi detetada pela primeira vez no nosso país em 1997 no rio Maçãs, perto de Quintanilha. Sabe-se que anos antes, em 1994, tinha sido introduzida pelas autoridades espanholas em dois afluentes do Maçãs e ter-se-á dispersado para Portugal naturalmente.
No nosso país, onde é que está hoje presente?
A espécie ocorre principalmente no Nordeste do país, na sub-bacia do rio Sabor que é um afluente do Douro, e está ausente nas ilhas dos Açores e Madeira. Por exemplo no rio Fervença, dentro de Bragança, é extremamente fácil encontrá-la por ser tão abundante. Essa tão grande abundância pode até justificar a elevada quantidade de parasitas na carapaça que por vezes aí é observada e que frequentemente leva à rejeição da espécie como alimento humano. Em Portugal, aliás, não é popular em restaurantes, ao contrário do que sucede noutros países.
Foto: Javier Oscoz |
Mas a situação no nosso país é muito dinâmica porque a espécie se encontra em processo de expansão e há ainda muitas áreas adequadas que pode ocupar, particularmente na zona a norte do Tejo. No entanto, devido às alterações climáticas, estima-se que a adequabilidade do nosso território para o lagostim-sinal possa diminuir um pouco.
Como é que pode ser detetado e identificado?
Em rios ou ribeiros de baixa profundidade, os lagostins podem ser vistos em fuga quando caminhamos dentro de água ou levantando as pedras ou outros materiais que lhes servem de abrigo dentro de água. Neste momento há apenas duas espécies de lagostins em Portugal e são ambas invasoras.
Apesar de nalgumas áreas o lagostim-sinal ocorrer em simultâneo com o lagostim-vermelho-da-luisiana (Procambarus clarkii), pode ser distinguido deste com muita facilidade por ter a carapaça lisa e por ter uma mancha branca muito notória em cada pinça. É aliás essa característica que lhe atribui o nome de lagostim-sinal. Nos locais invadidos por esta espécie, atinge por vezes densidades muito elevadas. A captura de lagostins para identificação pode ser feita facilmente através de armadilhas cilíndricas com entradas cónicas, colocando isco no interior.
E se alguém observar esta espécie, o que deve fazer?
Se tiver possibilidade deve ser removido da água. Pode-se usar a aplicação da EASIN – Rede de Informação sobre Espécies Exóticas Europeias, que é gratuita, para registar esta informação. Ou contactar as autoridades nacionais (SEPNA / GNR e Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas), principalmente se detetarem a espécie fora da área conhecida de distribuição nacional.
Mas afinal qual é o problema com este lagostim?
O lagostim-sinal foi introduzido em vários países a nível mundial com o propósito de ser explorado para consumo humano. Apesar de na Europa o objetivo ter sido a substituição de espécies europeias que foram dizimadas pela peste dos lagostins, esta espécie é também vetor da doença, agravando o problema. A doença foi responsável por exemplo pelo desaparecimento do lagostim-de-patas-brancas (Austropotamobius pallipes) em muitas regiões europeias. Esta última espécie desapareceu também de Portugal, mas o seu estatuto como nativa da Península Ibérica é ainda objeto de discussão na comunidade científica, sem consenso definitivo.
O lagostim-sinal é uma espécie com uma alimentação oportunista e que aumenta rapidamente de densidade. Devido a isto afeta fortemente os ecossistemas onde é introduzido, particularmente as comunidades de macroinvertebrados, como os bivalves, e outros organismos do fundo da coluna de água, incluindo peixes e larvas de anfíbios, afetando também as comunidades de plantas aquáticas.
Sabe-se por exemplo que tem potencial para reduzir a abundância de peixes (por exemplo de salmonídeos), uma vez que consome os ovos e os juvenis. Devido à sua atividade escavadora pode também por vezes afetar a estabilidade das margens de rios. Especificamente em Portugal, há estudos que apontam para efeitos sobre espécies nativas de bivalves através de consumo – incluindo de uma espécie altamente ameaçada, a Margaritifera margaritifera.
É possível controlar as populações desta espécie?
Como sempre a prevenção é a melhor abordagem, ou seja, evitando a passagem da espécie entre bacias hidrográficas, por ação humana. Isto consegue-se apenas mudando a perceção de grupos chave da nossa sociedade que podem por vezes ter comportamentos de risco.
Já a erradicação é quase impossível e só é eficiente em zonas isoladas e de tamanho reduzido que possam ser completamente esvaziadas durante períodos de tempo muito longos. A espécie pode sobreviver sem água, em tocas, durante períodos de pelo menos quatro semanas e pode também movimentar-se através de meio terrestre em resposta à colocação de barreiras ou ausência de água. Em relação à captura através de armadilhas, não é eficiente para a sua erradicação, uma vez que é seletiva para os indivíduos de maior tamanho.
Foto: Javier Oscoz |
E de que forma é que o projeto LIFE Invasaqua está a lidar com este invasor?
Eu próprio assisti, há vários anos, a um relato reclamando a introdução intencional desta espécie num local onde não estava anteriormente presente, o que foi apresentado como uma ação meritória. Este tipo de perceção ainda é frequente e há que contrariar esta ideia. Sendo uma espécie comestível, quem faz a introdução acha que está a realizar uma boa ação, desconhecendo que a espécie tem em simultâneo efeitos dramáticos; por exemplo, sobre outras espécies também comestíveis, mas nativas.
O projeto LIFE Invasaqua está a difundir o conhecimento de que esta espécie é fortemente invasora, que está na Lista de Espécies Invasoras Preocupantes para a União Europeia, e que não deve ser levada para outras bacias hidrográficas. Estão ainda previstas ações em cada zona do país, dirigidas à formação das autoridades, pescadores e outras partes envolvidas, sensibilizando-os para o problema e distribuindo gratuitamente o guia de espécies exóticas e invasoras aquáticas bem como vários manuais de boa conduta.
Estas medidas serão importantes para diminuir a probabilidade de expansão desta e de outras espécies para outros rios portugueses, invertendo a atual tendência de aumento cada vez mais rápido na introdução e estabelecimento de espécies exóticas.
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