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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

sexta-feira, 16 de julho de 2021

Viagem às raízes - 8ª parte

Escola Primária - Torre de Dona Chama
 - Mas que atrevimento este? Em vez de estar a estudar como os outros, põem-se a brincar com o gato. Já vais cantar o fado; oh se vais! – dizia entre dentes a professora.

- Iriberto: quantas dinastias houve em Portugal e diz-me o nome de cada uma?

Como não obteve resposta instantânea - o aluno sabia as respostas, mas o medo era tal que engasgou-se com as palavras - teve direito a umas valentes reguadas. Foi a única vez que lhe tocou.

Exame da quarta classe feito com distinção e nova vida se lhe seguiu. Saiu dos carinhos e cuidados da mãe, Joaquina Rosa, em Torre de Dona Chama e foi para Mirandela, para casa do seu tio Alfredo Ferreira, irmão da mãe, também conhecido como Caldinho, com o objetivo de aprender uma profissão. Este tio era casado com a Senhora Antoninha, uma pessoa de fibra, pouco dada a afetos e cuidados ao sobrinho. Fazia dele um criado, sobrecarregando-o com tantas tarefas no campo e recados, que mal tinha tempo para dormir. Caíra-lhe em casa um criado de graça a quem dava apenas o caldo e assim se manteve até completar 21 anos. A tia Antoninha punha e dispunha em casa e na propriedade agrícola; mandava no marido e no sobrinho Iriberto – uma ditadora de maus fígados. Tinha arrelias com o marido por este dar tarefas ao sobrinho, roubando-lhe o escravo. Não vos sobressalteis com o termo escravo, foi a dura e triste realidade. Seus tios mantiveram-no durante dez anos a trabalhar para eles sem lhe darem um escudo, apenas cama e mesa. Ora se isto não é escravidão, digam-me lá o que é? No estabelecimento de bicicletas, motorizadas e pequenas máquinas agrícolas era o tio Alfredo que tomava conta.

Sempre que o sobrinho, na imensa timidez imposta pela condição de serviçal, lhe pedia ordenado:

- Este ano não pode ser. Talvez no ano que vem. As gorjetas, que os clientes te dão, bem te chegam.

Com a tia Antoninha era impossível abordar tal assunto, achava que já fazia muito por ele e fazia-o sentir-se que estava lá por favor.

O Tio Alfredo nunca lhe ensinou nada de mecânica de motorizadas, porque também nada sabia do ofício, mas eras um ás a reparar bicicletas.

Num fim de tarde, chegou à oficina uma motorizada com um motor a quatro tempos - desmontado, peça-por-peça -, que tinha sido enviado por um bom mecânico de automóveis de Torre de Dona Chama. O tio Alfredo deu indicações ao sobrinho para fazer um bom embrulho, não queria correr o risco de se perder alguma peça, e enviá-lo a um armazém no Porto, a fim de ser reparado.

O Iriberto ficou a matutar em tal assunto; mal dormiu nessa noite. Pulou cedo da cama, madrugada, e resolveu, na inata curiosidade dos seus 15 anos, remexer na caixa das sardinhas, onde vinha o motor. Viu e reviu, apalpou, experimentou, encaixou… como se de um puzzle se tratasse, e resolveu assumir o desafio de reparar o motor, nem que não fizesse mais nada o dia todo.

À tardinha, apareceu na oficina o tio Alfredo.

- Iriberto: despachaste o motor para o armazém?

- Olhe para ele, tio. Já foi e já veio! – e sorria da proeza conseguida.

- Como é que “já foi e já veio” no mesmo dia?

- Tio: pegue na motorizada e vá experimentá-la. A ver se está tudo bem?

Foi; deu umas voltas por Mirandela; e apareceu dali a pouco tempo.

- Então, tio, a motorizada anda bem?

- Ó, rapaz, como é que fizeste isto?

- Olhe, tio: levantei-me muito cedo, pus-me a ver as peças e lá consegui.

- Está muito bem, fizeste um bom trabalho.

Quando entraram em casa, já a tia Antoninha vinha com brados e desconjuras contra o sobrinho.

- O rapaz não me fez nenhum recado; todo o santo dia! – nunca tratava o sobrinho pelo nome, era sempre “o rapaz”, tal o amor e carinho que, por ele, nutria – Não sei que cabras andou a guardar?! Deve ter andado por aí à moina.

O tio Alfredo era um pau mandado nas mãos da mulher. Foi incapaz de defender o sangue do seu sangue. Que dura desilusão para o Iriberto.

A partir desta proeza, começou a passar mais tempo na oficina; a curiosidade espicaçava-o para se inteirar dos assuntos de mecânica das motorizadas.

Dada a simpatia, bom-trato e preocupação em servir bem, foi arranjando mais e mais clientes e amigos, para contentamento do tio Alfredo que por burrice deixara fugir o melhor mecânico de motorizadas de Mirandela. O rapaz pedira-lhe aumento de ordenado.

- Se não estás bem, vai procurar trabalho noutro lado. – respondeu-lhe, secamente, o tio Alfredo.

E foi.

Quem começou a segurar o barco foi o Iriberto, que ia evoluindo na mecânica.

Nos fins de semana, à noite, gostava de ir ao cinema com os amigos, só possível por causa das gorjetas que recebia. Eram mais velhos, e não tendo ainda 18 anos para assistir às sessões noturnas, misturava-se entre eles, e lá passava pelo porteiro.

Tinha um amigo especial, um pouco mais velho, com quem fazia algumas tropelias – José Benedito Pires, empregado de balcão, numa loja de tecidos, em Mirandela.

O que lhes havia de ter dado na lembrança?! Fizeram uma aposta

“Quem conseguia sentar mais moças no banco do jardim da Praça.”

O Iriberto escolheu o banco que lhe pareceu melhor localizado; e José Benedito também. A seguir, decidiram sobre o dia e a hora do acontecimento: domingo à tarde.

Sentados no meio do banco, esperavam as moçoilas.

Havia um certo distanciamento entre os bancos, para não intimidar ninguém, e, ao mesmo tempo, visibilidade suficiente para não dar aso a batota.

As pequenas iam chegando e escolhendo ao lado de quem se queriam sentar.

Os malandrões, olhando-se de soslaio, faziam um leve sorriso de conquista, sempre que mais uma se sentava.

No final da hora acordada, foram a contas.

Quem terá conseguido sentar mais moças no banco do jardim?

Texto e Fotos:
Ⓒ Teresa do Amparo Ferreira, 16-07-2021

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