Escola Primária - Torre de Dona Chama |
- Iriberto: quantas dinastias houve em Portugal e diz-me o nome de cada uma?
Como não obteve resposta instantânea - o aluno sabia as respostas, mas o medo era tal que engasgou-se com as palavras - teve direito a umas valentes reguadas. Foi a única vez que lhe tocou.
Exame da quarta classe feito com distinção e nova vida se lhe seguiu. Saiu dos carinhos e cuidados da mãe, Joaquina Rosa, em Torre de Dona Chama e foi para Mirandela, para casa do seu tio Alfredo Ferreira, irmão da mãe, também conhecido como Caldinho, com o objetivo de aprender uma profissão. Este tio era casado com a Senhora Antoninha, uma pessoa de fibra, pouco dada a afetos e cuidados ao sobrinho. Fazia dele um criado, sobrecarregando-o com tantas tarefas no campo e recados, que mal tinha tempo para dormir. Caíra-lhe em casa um criado de graça a quem dava apenas o caldo e assim se manteve até completar 21 anos. A tia Antoninha punha e dispunha em casa e na propriedade agrícola; mandava no marido e no sobrinho Iriberto – uma ditadora de maus fígados. Tinha arrelias com o marido por este dar tarefas ao sobrinho, roubando-lhe o escravo. Não vos sobressalteis com o termo escravo, foi a dura e triste realidade. Seus tios mantiveram-no durante dez anos a trabalhar para eles sem lhe darem um escudo, apenas cama e mesa. Ora se isto não é escravidão, digam-me lá o que é? No estabelecimento de bicicletas, motorizadas e pequenas máquinas agrícolas era o tio Alfredo que tomava conta.
Sempre que o sobrinho, na imensa timidez imposta pela condição de serviçal, lhe pedia ordenado:
- Este ano não pode ser. Talvez no ano que vem. As gorjetas, que os clientes te dão, bem te chegam.
Com a tia Antoninha era impossível abordar tal assunto, achava que já fazia muito por ele e fazia-o sentir-se que estava lá por favor.
O Tio Alfredo nunca lhe ensinou nada de mecânica de motorizadas, porque também nada sabia do ofício, mas eras um ás a reparar bicicletas.
Num fim de tarde, chegou à oficina uma motorizada com um motor a quatro tempos - desmontado, peça-por-peça -, que tinha sido enviado por um bom mecânico de automóveis de Torre de Dona Chama. O tio Alfredo deu indicações ao sobrinho para fazer um bom embrulho, não queria correr o risco de se perder alguma peça, e enviá-lo a um armazém no Porto, a fim de ser reparado.
O Iriberto ficou a matutar em tal assunto; mal dormiu nessa noite. Pulou cedo da cama, madrugada, e resolveu, na inata curiosidade dos seus 15 anos, remexer na caixa das sardinhas, onde vinha o motor. Viu e reviu, apalpou, experimentou, encaixou… como se de um puzzle se tratasse, e resolveu assumir o desafio de reparar o motor, nem que não fizesse mais nada o dia todo.
À tardinha, apareceu na oficina o tio Alfredo.
- Iriberto: despachaste o motor para o armazém?
- Olhe para ele, tio. Já foi e já veio! – e sorria da proeza conseguida.
- Como é que “já foi e já veio” no mesmo dia?
- Tio: pegue na motorizada e vá experimentá-la. A ver se está tudo bem?
Foi; deu umas voltas por Mirandela; e apareceu dali a pouco tempo.
- Então, tio, a motorizada anda bem?
- Ó, rapaz, como é que fizeste isto?
- Olhe, tio: levantei-me muito cedo, pus-me a ver as peças e lá consegui.
- Está muito bem, fizeste um bom trabalho.
Quando entraram em casa, já a tia Antoninha vinha com brados e desconjuras contra o sobrinho.
- O rapaz não me fez nenhum recado; todo o santo dia! – nunca tratava o sobrinho pelo nome, era sempre “o rapaz”, tal o amor e carinho que, por ele, nutria – Não sei que cabras andou a guardar?! Deve ter andado por aí à moina.
O tio Alfredo era um pau mandado nas mãos da mulher. Foi incapaz de defender o sangue do seu sangue. Que dura desilusão para o Iriberto.
A partir desta proeza, começou a passar mais tempo na oficina; a curiosidade espicaçava-o para se inteirar dos assuntos de mecânica das motorizadas.
Dada a simpatia, bom-trato e preocupação em servir bem, foi arranjando mais e mais clientes e amigos, para contentamento do tio Alfredo que por burrice deixara fugir o melhor mecânico de motorizadas de Mirandela. O rapaz pedira-lhe aumento de ordenado.
- Se não estás bem, vai procurar trabalho noutro lado. – respondeu-lhe, secamente, o tio Alfredo.
E foi.
Quem começou a segurar o barco foi o Iriberto, que ia evoluindo na mecânica.
Nos fins de semana, à noite, gostava de ir ao cinema com os amigos, só possível por causa das gorjetas que recebia. Eram mais velhos, e não tendo ainda 18 anos para assistir às sessões noturnas, misturava-se entre eles, e lá passava pelo porteiro.
Tinha um amigo especial, um pouco mais velho, com quem fazia algumas tropelias – José Benedito Pires, empregado de balcão, numa loja de tecidos, em Mirandela.
O que lhes havia de ter dado na lembrança?! Fizeram uma aposta
“Quem conseguia sentar mais moças no banco do jardim da Praça.”
O Iriberto escolheu o banco que lhe pareceu melhor localizado; e José Benedito também. A seguir, decidiram sobre o dia e a hora do acontecimento: domingo à tarde.
Sentados no meio do banco, esperavam as moçoilas.
Havia um certo distanciamento entre os bancos, para não intimidar ninguém, e, ao mesmo tempo, visibilidade suficiente para não dar aso a batota.
As pequenas iam chegando e escolhendo ao lado de quem se queriam sentar.
Os malandrões, olhando-se de soslaio, faziam um leve sorriso de conquista, sempre que mais uma se sentava.
No final da hora acordada, foram a contas.
Quem terá conseguido sentar mais moças no banco do jardim?
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