Veio-me da memória esta lembrança, hoje muito em linha com as pretensões, as reivindicações ou as exigências que cada um faz no sentido de gastar o quinhão que lhe toca da chamada “bazuca”. E as propostas são muitas das vezes resultado de visões paroquiais, sem sentido das prioridades e alheias ao interesse nacional. Parecemos volvidos aos tempos do Maio de 68 em que os jovens anarquistas aconselhavam “Sêde realistas! Pedi o impossível”. A não ser assim como enquadrar a reivindicação de uma estrada de Macedo de Cavaleiros à Gudiña passando por Vinhais? E que é que iriam os de Macedo fazer à Gudiña? A Gudiña é uma aldeia! Dir-me-ão que a Gudiña representa a ligação à autoestrada das Rias Baixas. Mas a mobilidade das pessoas e mercadorias de Macedo e Vinhais não se processa no sentido de Vigo ou Benavente. Resumindo: esta petição só surge porque parece que sentimos que há dinheiro para tudo. Mas é esse mesmo espírito que preside à sugestão, como solução ferroviária para a nossa zona, da ligação de Bragança a Vila Franca das Naves na linha da Beira Alta (isto é que é um pensamento regionalista?!). Esta solução já tinha sido avançada, no final do sec XIX, pelo Eng. Militar João Crisóstomo quando ainda se pensava que Portugal era Lisboa e o resto paisagem. Também foi levantada essa hipótese para expedir o minério de Moncorvo para o Seixal.
Ora, Bragança não é propriamente ferro para altos fornos e a ideia de João Crisóstomo foi prontamente abandonada pois não havia razão para privilegiar a ligação a Lisboa se Bragança tinha um intercambio cultural, social e mercantil muito mais forte com o Porto que com Lisboa. E assim permanece apesar do mundo ser mais global. O entusiasta da solução da ligação à Beira Alta, que começa por dizer ser incompreensível que Bragança e Vila Real sejam as duas únicas capitais de distrito sem serventia ferroviária, propõe uma solução que só contempla uma. (A solidariedade segue dentro de momentos). Aliás, sobre solidariedade e ferrovia queria fazer um parêntesis para dizer o seguinte: a construção da barragem do Tua provocou o encerramento definitivo da linha do Tua. Foi, então, criado um fundo de forma a criar contrapartidas no sentido de ressarcir, da perda de mobilidade, os concelhos lesados. Ora, os ditos concelhos são, segundo o entendimento de quem criou o fundo, Mirandela, Vila Flor, Carrazeda de Ansiães, Murça e Alijó. Estes dois últimos, situados na margem direita do Rio Tua enquanto a linha está na margem esquerda, nunca tiveram nem estação nem apeadeiro na linha do Tua. Como dizer que perderam mobilidade. Mais. Mesmo Vila Flor e Carrazeda tinham só meia dúzia de apeadeiros, a maior parte distantes, até, das povoações a que davam serventia. Portanto a perda de mobilidade desses Concelhos foi reduzidíssima. Mas, mais que estes argumentos cheios de sofisma, o que incomoda sobremaneira é não haver, da parte desses cinco magníficos, uma palavra solidária para quem perdeu mais e há mais tempo, como Macedo e Bragança. E não se perdia nada que o Fundo além de incluir estes sete já nomeados lhes somasse mais dois, Vinhais e Vimioso, que nunca tiveram as benesses da ferrovia. Isto sim, seria solidariedade, seria fazer alguma coisa pela coesão territorial e não tratar os temas que são comuns a todos com o espirito mesquinho, na lógica do “xico esperto,” sempre privilegiando o desenrasca. E os outros? Os outros…paciência.
Mas não foi só nesta questão que se manifestou a falta de espírito solidário dos Municípios do Distrito. O facto de deixarem passar em claro a não inclusão da melhoria dos acessos a Vimioso é disso exemplo flagrante. Seria a correção de uma injustiça quase congénita e também a forma de acabar com a vergonha de parasitar a estrada espanhola. Não nos esqueçamos que as gentes de Miranda, que usariam a estrada de Vimioso para a deslocação a Bragança, preferem fazer a viagem por Espanha. Haverá alguma explicação razoável para entender que a melhor ligação entre duas cidades portuguesas seja uma estrada espanhola?)
Li, também, como boa aplicação do dinheiro da “basuca” o aumento do comprimento da pista do aeródromo, condição necessária para a elevação à categoria de aeródromo regional. Não estou de acordo porque me parece um despesismo gratuito, fruto duma visão paroquial do assunto. Repare-se no seguinte: se imaginarmos um polígono cujos vértices fossem Porto, Guarda, Salamanca, Valladolid e Leon veríamos Bragança mais ou menos no centro desse polígono. Bragança dista mais ou menos 200km dessas outras cidades. Assim a área de influência de Bragança é a área de um círculo com centro em Bragança e com raio de 100km. Atendendo a que as cidades maiores têm maior área de influência o que faria cair Vila Real na órbita do Porto e Zamora na de Valladolid que é que ficaria para Bragança? Sete mil e tal km2 de território perfeitamente desertificado. Onde está a gente? Onde está a mercadoria? Acresce ainda que o actual aeródromo permite a utilização a naves como aquela, que Bragança viu aterrar, da ligação aérea a França. Atendendo a que a ligação aérea a França, com uma nave de 50 lugares, fechou por falta de passageiros e que a vez que transportou mais foi no dia da inauguração e só vinha a meio, pergunto: De que aviões estamos à espera?
Não devemos ter medo de gastar dinheiro quando a coisa se justifica. Mas não é gastar dinheiro para criar “elefantes brancos”. E é o que acontece se a um investimento caríssimo somarmos uma manutenção deficitária. Ora a manutenção comboio de Bragança já era deficitária no tempo em que era monopolista (lembremo-nos que não havia camionagem a competir com os comboios. Se de Bragança se quisesse ir para Macedo, Mirandela, Porto etc tinha que se ir obrigatoriamente de comboio. Só depois do 25 de Abril é que passou a haver camionagem nesses trajetos). Resumindo: Bragança não tem de ter comboio. Tem de ter boa mobilidade. E tem. A autoestrada dá-lhe boa mobilidade. Se me disserem que viajar de autocarro não é igual a viajar de comboio, concordo. Então, como contrapartida de não termos comboio, exijamos autocarros com requisitos das carruagens do comboio.
Os dinheiros do Fundo de Recuperação e Resiliência têm por objetivo reparar os danos económico e sociais provocados pela pandemia e aproveitando este ensejo tornar os países mais ecológicos, mais digitais e mais resilientes. Ora, um dos fatores que aumenta substancialmente a resiliência é a melhoria dos serviços de saúde e dos apoios à 3ªidade, com a criação de lares e com fiscalização exigente dos já existentes. As condições dos idosos em alguns lares, que a pandemia veio a revelar, enchem-nos de vergonha. Também o caso do idoso com alta hospitalar a ocupar a cama do hospital por não ter quem o receba, dá que pensar. Aí não podemos ter medo de gastar o que for necessário. Isto é um imperativo de carater geral com que toda a gente concordará. Assim como também será um imperativo a electrificação de todas as linhas de caminho de ferro por compromisso que Portugal assumiu pela descarbonização. Mas não chega. Tem de criar plataformas logísticas de forma a retirar das estradas os camiões de longo curso que transportam materiais pesados. Isto é: definir zonas de influência que teriam um parque para depósito de materiais pesados como combustíveis, de ferro, de adubos, de cimento etc que chegariam ali em comboio elétrico obrigatoriamente. Isto são medidas de carater geral como será a digitalização, fator determinante no crescimento económico futuro.
Mas neste contexto que poderá fazer Bragança, particularmente, que possa contribuir para o bom desempenho do Plano de Recuperação e Resiliência? Em que sector ou sectores Bragança deve apostar com mais assertividade? Acho que tudo aponta para o sector da agricultura e eventualmente o turismo a ela associado. Digo isto pela conjugação de vários fatores: 1º foi a agricultura o sector que melhor tem resistido às dificuldades criadas pela pandemia, não só em Bragança mas em Portugal ou no Mundo; 2º este indicador associado ao plano Porter (o plano Porter ou relatório Porter foi um estudo encomendado pelo Ministro Mira Amaral nos anos 90 e cuja conclusão foi mais ou menos “lapalissiana” isto é, que Portugal devia fazer o que sabe fazer, por outras palavras, Portugal devia apostar nos sectores tradicionais. 25 anos depois fez-se uma avaliação desse Plano e a conclusão é que os sectores que maior desenvolvimento e competitividade evidenciaram foram os do calçado, têxtil, vestuário, vinhos e mobiliário. Foram, de facto, os sectores tradicionais) que, se dirigido a Bragança, diria: façam agricultura. Mas Porter também fala num problema endémico em Portugal que é a falta de escala. E a agricultura em Bragança tem esse óbice bastante acentuado. Posto isto, concluo: Bragança tem de fazer, já, o cadastro digital das propriedades agrícolas (transformação digital); tem de transformar todos os baldios em parcelas com tamanho quanto baste para criar entusiasmo nos empresários agrícolas; tem de criar imperiosamente industria agroalimentar( o fantasma do Cachão persegue- -nos); tem de fomentar a criação de empresas de prestação de serviços agrícolas à semelhança das que já existem para a floresta; tem de cortar os matos e investir nas “pastagens semeadas biodiversas” que é sequestrador de carbono(aliás subsidiado por isso), fixador biológico do azoto e fonte de proteína que tanto peso tem nas importações. Além disso ajudaria a dar corpo à última utopia de Gonçalo Ribeiro Telles: “que Portugal fosse o grande jardim da Gulbenkian”.
P.S. Não resisto a uma provocação. Porque será, que estando nós geograficamente situados nas faldas de três serras, Montesinho, Nogueira e Coroa e sofrendo forte influência de uma quarta, a serra da Sanábria(2170m), que não temos um queijo? Será culpa das serras?
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