quarta-feira, 1 de setembro de 2021

Vinhais: a caminho do Alto da Ciradelha

 Em Vinhais, os castanheiros imperam na paisagem, mas o que surpreende a caminho do Alto da Ciradelha são os bosques de carvalho-negral, tão densos que mesmo com o sol forte se mantêm numa penumbra em que é difícil penetrar com o olhar.


Lá no alto, a vista estende-se por montes e vales. Estamos a 1020 metros de altitude e, apesar de a região ser montanhosa, o miradouro abarca uma vasta extensão.

O carvalho impera na paisagem

Chegar ao Alto da Ciradelha é fácil. O percurso Biospots leva-nos por um caminho florestal. Este é um dos Nove Passos por Terras de Trás-os-Montes, um percurso circular de 1,6 quilómetros com um desnível de 150 metros facilmente ultrapassável. O trilho começa no Parque Biológico de Vinhais em direção ao miradouro e leva-nos pela descida em direção ao fotogénico baloiço da chouriça, para regressar por outro estradão.

Biospots: um percurso para fazer devagar
Na app Nove Passos diz-se que o percurso tem uma duração de cerca de duas horas, mas se não o fizermos com a única intenção de queimarmos calorias, o melhor é reservar toda a manhã ou o final da tarde para o fazer, porque serão muitas as vezes em que parará ou em que se aventurará para lá do trilho.

A principal razão para as paragens serão os voos das borboletas. Não é por acaso que a este percurso foi dado o nome Biospots. A melhor altura para o fazer é a Primavera, mas mesmo no princípio do Verão são muitas e de muitas espécies as que borboletam à volta das flores e é fácil perdermos a noção do tempo à procura de as vermos pousadas e de asas abertas a mostrar toda a sua beleza.

Ao chegarmos perto do Alto da Ciradelha, encontramos os restos dos muros que envolviam o castro daquele que terá sido o povoado que posteriormente deu origem a vinhais.

A 1020 metros de altitude

Lá mesmo no topo do percurso, é certo e sabido que quereremos que toda a beleza do miradouro seja apreendida. Sentar-nos-emos nos penedos a olhar para as várias camadas. No vale, junto a Vinhais, encontraremos a mais vasta área de nogueiras do concelho e, para lá da vila, teremos os montes que se vão sucedendo até à longínqua serra do Marão.

Hit the Road no Alto da Ciradelha

A Vera e o Marcelo, do Ir em Viagem, e a foto no baloiço da Chouriça

Parar para ver a paisagem no Alto da Ciradelha

Pelos trilhos Biospots

Começamos a descer por um trilho mais estreito, que apenas se adivinha no terreno e que está bem marcado, em direção ao baloiço da chouriça. Mais um spot do percurso, este ali colocado para as fotos e selfies da ordem.

Depois, é sempre a descer até ao Parque Biológico de Vinhais.

O Parque Biológico de Vinhais
Um parque biológico não é um zoo, é um equipamento de preservação das espécies, que recebe exemplares encontrados e que já não têm hipóteses de sobreviver no seu habitat. Isso não impede que a ele recorramos para ver animais.

No Parque Biológico de Vinhais estão animais que não podem ser largados na natureza

No Parque Biológico de Vinhais, as aves estão em espaços demasiado pequenos para poderem voar. Mas isso tem uma explicação. Incapazes de o fazer (todas fizeram testes de túnel de vento), a exiguidade do espaço tem por objetivo evitar o stress dos animais.

Já com os restantes animais acontece precisamente o contrário. Todos têm muito espaço. É por isso que, por vezes, pode não ser fácil vê-los. Depende também da hora do dia, uma vez que se refugiam quando o calor aperta. Mas, mesmo assim, os corsos, os gamos e os veados fazem a delícia de todos, assim como o javali.

A Lorga de Dine

A Lorga de Dine foi habitada entre o 4º e o 1º milénio a.C,

O concelho e Vinhais é grande e de povoamento muito disperso, contando com mais de 100 aldeias. Uma das que exige visita é Dine. Aqui, temos a Lorga de Dine e os fornos de cal. A visita pode ser marcada através do Parque Biológico de Vinhais e garantimos que não se vai arrepender.

Não apenas irá saber sobre o método ancestral de fazer cal e vestígios da ocupação humana do território que remontam ao Calcolítico, como irá conhecer Judite Lopes.

Judite Lopes fala sobre as propriedades das plantas

De sorriso gaiato que se adivinha atrás da obrigatória máscara, Judite Lopes é daquelas pessoas que nos enche as medidas. É ela quem nos mostra a Lorga de Dine, mas pelo caminho vai-nos alertando para esta ou aquela planta, apanha-a, dá a cheiras e explica as suas propriedades. Algumas são medicinais, outras de utilidade vária. Judite Lopes não para, fazendo do caminho até aos fornos de cal um momento de diversão e de aprendizagem.

Os fornos da cal são estruturas algumas centenárias, onde se fazia a cal para argamassa e também para pintar as casas. Em 1965, o último forno da aldeia deixou de funcionar. Pertencia ao pai de Judite, que não chora esses tempos. Ao invés, gosta de mostrar o que torna a sua aldeia tão especial.


Mais abaixo, a meia encosta, temos uma abertura na rocha fechada a cadeado. É a Lorga de Dine. A gruta foi alvo de uma extensa prospeção arqueológica em 1964 e nela foram descobertos vestígios de ocupação humana datados da Pré-História recente e da Proto-História. O local foi habitado entre o 4º e o 1º milénio a.C.

Os Cuscos também se fazem em Vinhais


Iguaria da cozinha do médio oriente, os couscous têm uma versão transmontana. Em Vinhais, fazem-se os cuscos. A tradição esteve quase esquecida, até ao momento em que Lurdes Diegues voltou à vila depois de muitos anos por Lisboa e resolveu pôr mãos na massa.

Os cuscos são feitos com farinha da barbela, água e sal. Nada mais. E servem-se como o arroz, de preferência malandrinhos. O processo de transformar a farinha em cuscos é moroso e exige a perícia e a paciência de quem o faz.
 
Na aldeia de Padrão, Lurdes Diegues segue à risca a receita ancestral. Começa por estender a farinha numa masseira forrada com um pano de linho e vai polvilhando-a com água com sal. Mexe-a e remexe-a e volta a repetir.

Quando os cuscos têm a consistência de umas bolinhas pouco maiores do que o couscous que conhecemos, está feito.

Não se sabe como é que o couscous chegou a este concelho do nordeste transmontano. Há quem diga que são resquícios da ocupação árabe da Península Ibérica, e quem afirme que a tradição foi trazida por judeus que se refugiaram por estas terras. Mas a verdade é que não se sabe.

O que sabemos é que são saborosos, quando acompanhados por chouriça tradicional, e que se cozinham como o arroz, mas com mais água: por cada medida de cuscos devem ser colocadas duas medidas e meia de água.

Podem ser comprados online, no site Saber a Vinhais.

Uma aldeia comunitária
Na extremidade noroeste do concelho de Vinhais, mesmo junto à fronteira, fica Moimenta da Raia e a Fraga dos Três Reinos. É neste ponto que ficam os limites de Portugal, da Galiza e de Castela. Este sempre foi um ponto de passagem e, também, de contrabando.

Em Moimenta da Raia, uma aldeia comunitária

Os habitantes de Moimenta da Raia ainda hoje preservam o sentido comunitário que souberam manter ao longo dos tempos. Duarte Pires, o presidente da Junta, explica que “ainda hoje se trabalha o campo de forma comunitária. Um agricultor tem uma máquina, outro outra… e trabalham os campos uns dos outros”.

Antigamente era mais visível. São visitáveis hoje os fornos comunitários (como a aldeia é grande havia três), a forja comunitária e os moinhos que também eram do povo.

Os moinhos comunitários de Moimenta

A cada pessoa calhava uma hora de um dia para utilização dos equipamentos, sendo que nos moinhos cada hora correspondia a um dia. Conta-se o caso de um agricultor que deixou a mó pela noite a moer a farinha. Quando ao outro dia regressou, nada mais encontrou que um bilhete que dizia “a este moinho entrei, um saco de farinha levei. Para o ano retornarei”. Foi alguém – explica Duarte Pires – que num momento de necessidade levou a farinha, mas que prometia devolver no ano seguinte”.

E a água que era utilizada para fazer girar as mós, abastecia também um gerador que fornecia eletricidade à aldeia. Moimenta da Raia teve eletricidade muito antes de ser abastecida pela rede pública. Os vizinhos pagavam por cada lâmpada que tinham em casa,

Contrabandista e Guarda Fiscal
Nos tempos em que não existia a livre circulação de pessoas e bens, o povo de Moimenta da Raia dedicava-se ao contrabando para equilibrar o orçamento familiar. Contrabandeava-se gado, consoante o preço estivesse mais alto de um lado ou outro da fronteira.

Contrabandistas e guardas de Moimenta

Duarte Pires explica as rotas do contrabando

Mas o café era o principal produto que se contrabandeava para Espanha. “Os contrabandistas eram os donos das lojas. Esses sim, ganhavam dinheiro. Os que levavam os fardos remediavam. Recebiam 100 pesetas (a antiga moeda espanhola) se a viagem fosse para uma das aldeias mais próximas, ou 200 pesetas se fosse para uma das mais longínquas”. A rota do contrabando podia durar 4 horas, sempre de noite, por caminhos difíceis.

Duarte Pires sabe do que fala. Entre os 16 e os 18 anos carregou fardos para o outro lado da fronteira. Depois do serviço militar, ingressou na Guarda Fiscal que vigiava as fronteiras e passado uns anos ficou colocado na sua aldeia natal. Fechava os olhos às mulheres que levavam meia dúzia de quilos escondidos na cintura, mas só a essas…

Como chegar e onde dormir em Vinhais
No extremo norte de Trás-os-Montes, a melhor forma de se chegar a Vinhais é pela autoestrada A4, a partir do Porto ou Vila Real, saindo na saída 33 (Mirandela Norte) e tomando a Nacional 103, durante 55 quilómetros. O trajeto faz-se facilmente, uma vez que a A4 não tem muito trânsito e a estrada que nos leva a Vinhais está em boas condições.

Se a opção for por ir de autocarro, recomendamos um Expresso até Mirandela ou Bragança e fazer a ligação a partir de uma destas cidades.

No concelho de Vinhais encontramos fundamentalmente espaços de turismo rural e de alojamento local. Uma boa solução são os bungalows do Parque Biológico de Vinhais, mas é necessário reservar com uma boa antecedência. O parque tem ainda a opção de campismo.

Onde comer e o que fazer em Vinhais
Na vila de Vinhais não são muitos os restaurantes, mas a carne é bem tratada, ou não estivéssemos no nordeste transmontano. Em todos eles, as entradas incluem o fumeiro, com destaque para as alheiras e para o presunto, que são sempre de qualidade.

De ambiente familiar, a churrascaria Vasco da Gama é célebre pelo cordeiro grelhado

No restaurante O Silva, coma-se a posta, servida no ponto.

Ao pé das piscinas, no restaurante Paulus experimentámos os cuscos, um prato tradicional de Vinhais feito à base de farinha de trigo da barbela, servida malandrinha como o arroz e, no caso, com chouriça.

Finalmente, no Delfim foi-nos servido leitão, de pele estaladiça como se impõe.

O Parque Biológico de Vinhais é de visita obrigatória. Aqui, é possível ver o trabalho de conservação e ainda andar a cavalo ou de burro, percorrer trilhos a pé ou de bicicleta, jogar paintball ou experimentar o arborismo. O Centro Interpretativo do Lobo é muito interessante.

Aproveite que aqui está para fazer o trilho do Alto da Ciradelha, o percurso Biospots integrado nos 9 Passos nas Terras de Trás-os-Montes

Na vila, e se calhar como ponto de partida, visite-se o Centro Interpretativo do Parque Natural de Montesinho, para se perceber o território.

Muito bom é o Centro Interpretativo do Porco e do Fumeiro, localizado bem no centro da vila.

Aproveite e dê um salto ao Solar dos Condes de Vinhais, o centro cultural onde pode ficar a saber porque é que Vinhais é “uma terra dos diabos”.
Centro Interpretativo do Porco e do Fumeiro

No Solar dos Condes de Vinhais ficamos a saber porque é esta uma “terra dos diabos”

Na aldeia de Dine é possível visitar a Lorga de Dine, uma gruta cuja ocupação humana remonta ao final do Neolítico, e conhecer mais sobre os achados no Centro interpretativo. A visita pode ser marcada através do Parque Biológico de Vinhais

Ainda nesta aldeia, visite os fornos de cal que apenas deixaram de ser utilizados em 1965.

No outro extremo, em Moimenta da Raia, o pequeno museu do contrabando conta as histórias de fronteira. Passeie pelas ruas da aldeia e entre em contacto com a junta de freguesia para ter acesso aos fornos, à forja e aos moinhos comunitários.


AUTORES:
Jorge Montez (texto) Miguel Montez (imagem)

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