“A obra de Miguel Torga extravasa as fronteiras nacionais e levanta questões intemporais, as questões internas que preocupam o ser humano, e tem a vantagem de tratar essas questões nos vários géneros, quer na poesia, quer na narrativa, especificamente, no diário, produzido ao longo de mais de 40 anos”, começa por referir o professor Norberto Veiga, em entrevista à agência Lusa.
Para o autor, “ler Torga é um auxiliar essencial e fundamental para compreender os dias de hoje”, já que “reflete as preocupações de um ser muito atento ao mundo e à realidade, quer nacional, quer internacional, que ele também conheceu muito”.
O professor lembra que “conhecemos melhor os nossos tempos lendo os clássicos”, incluindo Torga “nesse rifão”.
“Vale, sobretudo, em termos literários, mas os valores humanistas, éticos e morais também sobressaem”, destaca Norberto Veiga, referindo “outra mais-valia, sobretudo nos contos, em que está cristalizado o modo de viver do nordeste transmontano, dos seus valores, da questão telúrica, da ligação à terra e das leis universais, anteriores às leis civis, as leis que não estão escritas, que são imutáveis”.
Quanto aos vários géneros explorados por Torga, Norberto Veiga considera que o médico transmontano era, “sobretudo, um poeta”, mas destaca “a parte do drama, que é a parte da obra menos conhecida e menos divulgada”.
Segundo o autor, com “O Labirinto Literário de Miguel Torga”, é "a primeira vez que o leitor tem todos os 52 livros [de Torga], incluindo os diários, escalpelizados, analisados"
Espera que sirva de “primeira porta de entrada ao leitor”, que fica “com uma visão de conjunto de toda a obra”, funcionando, assim “como um aperitivo, um aliciante, para estimular à leitura”.
Mesmo depois desta visita guiada ao universo 'Torguiano', “as leituras nunca são definitivas, cada leitor pode acrescentar coisas novas à leitura, porque cada leitura de cada pessoa singular é sempre um diálogo com a obra do escritor”.
Este é um mundo de um “homem que está sempre descontente”, realça.
“Hoje, felizmente, vivemos em democracia, mas temos de estar sempre alerta, porque os perigos estão sempre à espreita. A obra de Torga também tem essa faceta, coloca-nos mais despertos para resistir e lutar contra qualquer tentativa de sonegar as nossas liberdades e os nossos direitos”.
Miguel Torga, cujo nome de batismo era Adolfo Correia da Rocha, nasceu a 12 de agosto de 1907, em São Martinho de Anta, concelho de Sabrosa (Vila Real), e morreu a 17 de janeiro de 1995, em Coimbra.
Oriundo de uma família de camponeses, sem grandes recursos económicos, Torga trabalhou no Porto, passou pelo Seminário de Lamego e, ainda adolescente, emigrou para o Brasil.
De regresso a Portugal, cursou Medicina em Coimbra, onde viveu e morreu.
Entre algumas das suas obras destacam-se os "Contos da Montanha", "Bichos", "A Criação do Mundo", "Senhor Ventura" e "Vindima"; na poesia, "Rampa", "Abismo", "Lamentação", "Libertação" e "Poemas Ibéricos", entre outros títulos.
Foi galardoado com vários prémios literários nacionais e internacionais, entre os quais o Prémio Camões, de que foi o primeiro galardoado, e foi candidato ao Prémio Nobel da Literatura.
A sua obra é agora analisada pelo também transmontano Norberto Veiga, natural de Argozelo, no distrito de Bragança.
Veiga é licenciado em Línguas e Literaturas Clássicas, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, e doutorado em Literatura Portuguesa, pela Universidade de Salamanca.
É professor do ensino secundário e já publicou “Escritas do Nordeste” (2017) e “Tonalidades da Literatura Transmontana” (2020).
A Guerra e Paz edita agora o seu “O Labirinto Literário de Miguel Torga”, autor a que, “com alguma pena”, chegou tarde.
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