Introdução
(…) A divisão por regiões, sempre problemática, tem no campo da música dificuldades adicionais, nomeadamente o estado actual da investigação etnomusicológica.
Na verdade, as recolhas musicais gravadas de Kurt Schindler, Armando Leça, Artur Santos, Virgílio Pereira, Lopes Graça, Michel Giacometti e as nossas próprias não possibilitam, por enquanto, nem uma síntese, nem uma caracterização definitiva da música das várias regiões, nem tão pouco, por conseguinte, a formulação de um mapa etnomusical do país com as respectivas fronteiras entre as várias regiões.
Assim, optamos por consagrar a divisão em províncias que a geografia humana tem correntiamente adoptado, procurando descrever as características de cada uma, sem prejuízo de alterações que venham a ser exigidas por ulteriores investigações. (…)
Polifonia vocal
Importa realçar alguns aspectos fundamentais que contribuem para a riqueza da nossa tradição musical popular: antes de mais, a polifonia vocal.
O nosso canto polifónico popular terá a sua origem nos cantos litúrgicos da Igreja Católica e apresenta-se mais comummente a duas, mas também frequentemente a três e a quatro vozes reais.
Ocorre tanto nas manifestações religiosas, quer litúrgicas (Benditos, Aleluias) quer extra-litúrgicas (Encomendação das Almas) como nas profanas, sobretudo em certos trabalhos agrícolas (sachas, desfolhadas, mondas, amanhos do linho, etc.).
É assinalado praticamente por todo o país com particular riqueza no Minho, Douro e Beiras, sendo que no Ribatejo e Algarve haverá que aguardar ulteriores investigações a este respeito.
Instrumentos musicais
No campo instrumental, para além da gaita-de-foles (existente em Trás-os-Montes e no litoral oeste desde o Minho à Península de Setúbal), há a assinalar a riqueza musical da viola e da guitarra.
A viola portuguesa, nas suas múltiplas variantes regionais, descende do instrumento aludido pelo Padre Juan Bernardo no séc. XVI (“guitarra”, parente popular da vihuela e descendente da “guitarra latina” trovadoresca) e era tocada por todo o país.
Hoje subsiste apenas no Minho, Douro Litoral, Beira Litoral, parte da Beira Alta, Baixo Alentejo, Madeira e Açores.
A nossa guitarra descende do instrumento que tomou o nome de cítara no Renascimento, o qual por sua vez provinha da cítola medieval.
Era instrumento favorito da joglaria e, ao que tudo indica através dos jograis, ganhou as classes populares e atingiu depois dimensão nacional.
O seu enraizamento popular é assim muito anterior ao nascimento do fado, não devendo, pois, associar-se o instrumento exclusivamente com este género.
Esse enraizamento é visível em todas as províncias e regiões, quer simplesmente a acompanhar o canto, quer na música bailada. (…)
Fonte: José Alberto Sardinha, in “Portugal – raízes musicais”, edição do JN – 1997 (texto editado e adaptado)
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