sábado, 9 de julho de 2022

A PUBLICIDADE HÁ OITENTA ANOS (2)

 Tornemos pois à Agenda Grandella  e sua publicidade.
 Uma telenovela brasileira que rastejou por 1983 nos nossos televisores tinha entre as personagens um tal Baldaracci, italiano impenitente, que devia a sua constante disponibilidade para os jogos de alcova, estando já em idade pouco canónica para tal, à ingestão de milho em doses cavalares.  Aparentemente Lisboa acreditou — em que coisa mirabolante não acreditará a provinciana Lisboa? — e o consumo de milho em grão aumentou ali consideravelmente nessa altura, segundo referiram os jornais.  Pois bem: e em 1914, como se revigorariam os libertinos cansados?
 Podiam optar por um de dois produtos.  E. Matos & Cª, com sede na Rua dos Condes, nº 9, propagandeia as suas Revigoradoras , asseverando que «com este preciôso preparado se cura a impotência em todas as fases e períodos ainda que devido à muita idade, sendo seus efeitos rápidos e seguros, restituindo-se a importância gasta sempre que os resultados não sejam os anunciados».  Com tanta garantia dada por E. Matos & Cª, da Rua dos Condes, Lisboa devia ser então uma nova e mais rumorosa Ilha dos Amores.  Tivesse Fausto as Revigoradoras à mão, e não lhe teria sido mister assinar o odioso pacto com Mefisto.
 Mas há sempre quem seja relapso a drogas e tisanas.  Para esses, existia alternativa.  Sob o título O Homem Rejuvenesce, M. L. de Melo, do Largo de S. Julião, 12, em Lisboa, publica um saboroso reclame, ilustrado por uma imagem, que pretendia talvez ser provocante, de uma jovem integralmente vestida, o pescoço tapado com rigor puritano por uma golilha, e apenas deixando ver o apontamento afrodisíaco dos antebraços nus.  A jovem aponta com o braço esquerdo o título do anúncio: dir-se-ia uma beneficiária grata a glorificar o produto que a traz contente.  E, em redor da sua cabeça, um pouco ao jeito do resplendor dos santos ou das serpentes das erínias, vê-se uma coroa de faíscas eléctricas, a inculcar o magnetismo irresistível do mesmo produto.  Era por este teor que as mulheres seduziam então, nas imagens da publicidade.  Já era, bem se entende, a mulher objecto sexual, e como tal explorada.  O recato daqueles tempos é que era outro, e o pudor.  Porque já se têm visto retratos da rainha Vitória mais estimulantes do que aquela jovem.
 Mas leia-se o texto:  «Se aos homens de idade é triste a perda da energia que os anos acarretam, aos novos é então deveras dolorosa a ausência da vitalidade que lhes tira a alegria da vida, o prazer da existência.  Pois bem, o Dr. Scott, médico electricista, cuja fama está universalmente espalhada, chegou, no fim de 30 anos de experiência, a achar a solução para restaurar a fraqueza dos orgãos genitais, seja qual for a idade ou a causa desse enfraquecimento.  O suspensório eléctrico-magnético, de sua invenção, garante o rejuvenescer e vitalizar.  Todos os exaustos de forças podem reavê-las e conservá-las permanentemente.  Estes suspensórios estão sempre carregados, não necessitam banhos, e por consequência não causam irritação alguma.  Usam-se como os suspensórios comuns e duram muitos anos, conservando-se sempre a mesma influência eléctrico-magnética.  Preços: Standard, 5$500; Fôrça extra, 7$500; Força extra XX, 9$500.  Para a província e ilhas, mais 250 réis.  África, 450 réis.»
 É pena que já não haja tais suspensórios.  Conheço muito fulano que, tendo embora usado cinto toda a vida, não hesitaria em mudar para os suspensórios prodigiosos, com força extra XX, do famoso médico electricista.  Só desgosta, no anúncio, aquele acréscimo de preço nas remessas para a província e para África.  Mas Lisboa é sempre assim interesseira e privilegiada.  E a província sempre ingénua e desinteressada: que se saiba, não agravou o preço do milho que enviou para a capital em 1983 — milho que só ela produz e que, pelos vistos, tinha efeitos comparáveis aos dos suspensórios que o Dr. Scott, ao cabo de 30 anos de pesquisas aturadas, em boa hora inventou.
 A terminar este breve respigo, e para que não fiquem as senhoras descontentes, saibam que também elas dispunham de um arsenal de produtos para guerrear na ancestral guerra dos sexos.  O mesmo E. Matos anuncia, por exemplo, o Creme de Vénus, que era «excelente para endurecer e elevar os seios, desenvolvendo-os extraordinariamente». Outros tempos, outras modas.  Quem quer hoje seios extraordinariamente desenvolvidos?  Pelo contrário.  Nestes dias em que os cânones piriformes das ‘majas desnudas’ se desactualizaram irremediavelmente e a moda exige mulheres magras como paus de virar tripas, a preocupação é justamente a inversa: reduzir o volume dos peitos, esses peitos que cada vez menos amamentam, deixando às vacas e à Nestlé a responsabilidade de nutrir os bebés que serão os homens e as mulheres do século XXI.

(Repórter do Marão, 11 de Setembro de 1992)

A M Pires Cabral

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