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SOBRE O BLOG: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blog, apenas vinculam os respetivos autores.

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2023

A noite, as noites

 Há que tempos não nos encontrávamos nas páginas virtuais do Facebook! Pois hoje deram-me saudades e resolvi partilhar com os meus Amigos um texto que publiquei em 2015, numa prestigiada revista, “Granta” de seu nome. Chamava-se o texto “A noite, as noites” e, como é bastante extenso,  vou fazer como gosto: dividi-lo em fatias não demasiado longas para não desencorajar a leitura. Assim um pouco à maneira de folhetim. Vamos a Isso?

A noite, as noites

Faço ideia do espanto — do espanto e do terror — com que os primeiros hominídeos viam todos os dias o sol sumir-se para lá dos montes e o denso mistério da escuridão cobrir a terra, avolumando as muitas ameaças a que mesmo durante o dia estavam sujeitos: os desconfortos da doença, as demasias do clima, as garras dos predadores. Espanto e terror devem ter sido as primeiras emoções provocadas pelo fenómeno noite.

Depois, como tudo, as coisas foram evoluindo naturalmente. A noite passou a ser vista como algo natural, inquietante mas passageiro, em saudável alternância com o dia. A vida estruturou-se em função dessa alternância: passou a haver coisas que se fazem de dia e coisas que se fazem de noite. E acabou por se chegar à conclusão de que a noite, não deixando de ser um reino perigoso, tinha também as suas consolações: aproximava as carnes e incitava ao comércio sexual. Daí nasceu e se consolidou um dos mais populares entendimentos da noite, que ainda hoje se mantém popular e cada vez com mais vigor: a noite como cenário privilegiado para amores. Não andará longe desse sentido a própria palavra «noite», em frases como «frequentar a noite» ou «ser um homem (ou uma mulher) da noite». Ou no título «Guerra aberta no submundo da noite», que leio agora mesmo no meu semanário de estimação. 

Entretanto, a literatura fez-se uma grande caixa-de-ressonância desse entendimento, porque ninguém como os escritores para explorar as potencialidades eróticas seja daquilo que for. Bem, nem todos, claro: há sempre aqueles para quem o amor físico é delituoso por definição, e uma simples gota de sémen bastaria para poluir um parágrafo, um capítulo, um livro inteiro. Esses ou calam a noite, ou vêem-na com olhos mais castos, ou, enfim, procuram nela outra espécie de atractivos. Já lá iremos. O certo é que, de uma forma geral, a literatura se tem prestado, melhor do que todas as outras artes e à compita com o cinema, a fazer essa leitura, digamos, sensual da noite. É grande o número de textos literários em que ela aparece associada ao amor. Melhor: ao pretexto ou ocasião para o amor. Digamos que a noite se tornou o outro nome do amor. Envolvendo-nos em escuridão propícia e criando uma atmosfera de segredo e cumplicidade, uma espécie de bem-vinda cegueira, que convida à intimidade, ao afrouxamento de interditos e à transgressão, ela constitui o ambiente por excelência para os devaneios amorosos. Também para os do coração, cândidos, platónicos, naturalmente. Mas muito mais os que entendem com a carne — e quanto mais transgressivos, melhor. 

(Continua)

A.M. Pires Cabral

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