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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

quinta-feira, 1 de junho de 2023

Carpe Diem

Por: Paula Freire
(colaboradora do Memórias...e outras coisas...)


Existem momentos da vida que nos acompanham permanentemente, pelas emoções do instante que despertaram. Parece-nos que os trazemos aconchegados nos cantinhos da memória, só para nos oferecer um abraço de calor quando o tempo frio teima em despir-nos as esperanças. 
São momentos que nos fazem recordar o que realmente vale a pena. Temos muitos, silenciosos, dentro de nós, à espera que lhes demos as mãos, de vez em quando. Mas somos crescidos demais para os escutarmos, porque apenas nos sussurram de mansinho ao lado do pensamento. E nós, já sabedores de todas as vidas, porque somos crescidos, perdemos há muito essa sabedoria tão particular de ouvirmos a nossa vida que, curiosamente, parece ser a única que desconhecemos.
Gosto de recordar o espanto da minha infância, como se o mundo se me tivesse revelado por inteiro, num dia de inverno em que a minha amiga Fatinha, levou para a escola a sua caixa de vinte e quatro marcadores coloridos. “Foi o meu tio que me ofereceu!”, disse-me com a sua voz terna, de menina, a rebentar de orgulho e uma certa pontinha de vaidade. 
Os meninos da aldeia não tinham, assim, um “rico tio” como a Fatinha. Eu também não tinha. Por isso, com os olhos emocionados, a espreitar pelo canto da caixa de madeira, onde ela acomodara os seus magníficos marcadores coloridos, perguntei-me de imediato se a minha amiga saberia do fantástico tesouro que tinha em sua posse. Eu, que adorava desenhar e pintar, via ali todas as cores que poderiam dar encanto aos meus mais bonitos sonhos artísticos de criança, esculpidos a lápis de carvão numa simples folha branca de papel.
E o sol entrou-me pelo rosto dentro, desdobrado num gigantesco sorriso com sabor a verão, quando ela me garantiu que, sempre que a professora nos mandasse fazer um desenho, partilharia comigo tamanha raridade.
Gosto de recordar com saudade este instante. Um dos muitos que me permitiu à memória aprender lições imprescindíveis sobre o que realmente importa. 
E o que importa? Importa esse olhar de criança, esse sentir de criança. Esse descobrir da simplicidade da vida com uma admiração tão imensa, que apenas o silêncio é possível de nascer como resposta capaz de ser proferida. Não vá aquele assombro assustar qualquer adulto que passe por perto. É que os adultos não sabem ler as emoções ditas no silêncio. Porque cresceram, ficaram cegos.
Para as crianças, o relógio do tempo não tem ponteiros. Já os adultos, só conseguem ouvir o som do tiquetaque. Para as crianças, o tempo é despreocupado, tranquilo, tem um compasso próprio. Para os adultos, parece que cada dia é uma réstia de passado, com ansiedade de futuro, num tempo que os atravessa cada vez mais depressa. 
Enquanto as crianças constroem as suas estórias de forma poética, sem medo, e com elas voam para um mundo feito de arco-íris ao encontro da Terra do Sempre, são os adultos quem corre em passo acelerado em busca da Terra do Nunca, carregados de histórias que não os deixam sentirem-se em paz com eles mesmos.
 As crianças seguem rumo a onde o vento as levar, num constante entusiasmo pela viagem. Os adultos, somente viajam ao ritmo do seu dorido “e tudo o vento levou”…
Já dizia Rubem Alves, entendido em coisas de crianças, que “viver ao ritmo de alegrias e tristezas é ser sábio”, e que “sapio, em latim, quer dizer, eu saboreio.”
O que pensam, tantas vezes, os adultos sobre o que as crianças pensarão sobre as suas vidas? Eu responderia, seguindo o dito popular, que “em terra de cegos, quem tem um olho é rei”. E creio, portanto, que será com elas, as crianças, que mais temos a aprender sobre estes assuntos do coração. Aí, nesse universo descomplicado que é muito menos ‘faz de conta’ do que o nosso, elas são reis e rainhas. E sabem, melhor do que ninguém, que tudo o que é demasiado pequeno para ser descoberto à vista desarmada, é o mais primordial, necessário e absoluto e, exatamente por essa razão, não pode ser escutado senão através da emoção.
A criança rainha que um dia fui ensinou-me mais esta, entre tantas matérias que fui aprendendo. Nos tempos de hoje, agrada-me sentir que o “… meu corpo de adulto pelo tempo foi esculpido, embora me sinta criança, num corpo crescido, com roupas de adulto, mas espírito despido…”, como escreveu o meu amigo Paulo Cesar, que tem cor de poeta na mão e olhar de criança no coração.

“Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara”
- José Saramago -

Paula Freire
- Natural de Lourenço Marques, Moçambique, reside atualmente em Vila Nova de Gaia, Portugal.
Com formação académica em Psicologia e especialização em Psicoterapia, dedicou vários anos do seu percurso profissional à formação de adultos, nas áreas do Desenvolvimento Pessoal e do Autoconhecimento, bem como à prática de clínica privada.
Filha de gentes e terras alentejanas por parte materna e com o coração em Trás-os-Montes pelo elo matrimonial, desde muito cedo desenvolveu o gosto pela leitura e pela escrita, onde se descobre nas vivências sugeridas pelos olhares daqueles com quem se cruza nos caminhos da vida, e onde se arrisca a descobrir mistérios escondidos e silenciosas confissões. Um manancial de emoções e sentimentos tão humanos, que lhe foram permitindo colaborar em meios de comunicação da imprensa local com publicações de textos, crónicas e poesias.
O desenho foi sempre outra das suas paixões, sendo autora das imagens de capa de duas obras lançadas pela Editora Imagem e Publicações em 2021: Cultura sem Fronteiras (coletânea de literatura e artes) e Nunca é Tarde (poesia).
Prefaciadora do romance Amor Pecador, de Tchiza (Mar Morto Editora, Angola, 2021) e da obra poética Pedaços de Mim, de Reis Silva (Editora Imagem e Publicações, 2021).
Autora do livro de poesia Lírio: Flor-de-Lis (Editora Imagem e Publicações, 2022).
Em setembro de 2022, a convite da Casa da Beira Alta, realizou, na cidade do Porto, uma exposição de fotografia sob o título: "Um Outono no Feminino: de Amor e de Ser Mulher".
Atualmente, é colaboradora regular do blogue "Memórias... e outras coisas..."-Bragança, da Revista HeliMagazine e da Revista Vicejar (Brasil).
Há alguns anos, descobriu-se no seu amor pela arte da fotografia onde, de forma autodidata, aprecia retratar, em particular, a beleza feminina e a dimensão artística dos elementos da natureza, sendo administradora da página de poesia e fotografia, Flor De Lyz.

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